Ao contrário de coordenadores, estudantes da pós fazem avaliação nada positiva do ensino não presencial na UFSC
“Queria muito ficar, mas acho que vou sair mais cedo porque acabei de vir de uma reunião e vai ter outra agora às 9”. “Me sinto exausta o tempo todo”. “Todo sábado de manhã entrego tarefa no moodle mas é pra cumprir tabela, não sinto que estou aprendendo direito”. “Me perguntam qual é a minha pergunta de pesquisa e já não sei mais pra onde estou indo”. “Será que é só eu que estou me sentindo assim?”.
Foi isso que vários e várias estudantes disseram sobre sua experiência com o primeiro semestre no modelo remoto na pós-graduação da UFSC, em reunião aberta organizada pela Associação de Pós-Graduandos (APG-UFSC) sobre o tema no dia 17 de novembro. Na contramão da nota autocongratulatória publicada este mês pela universidade, pudemos observar efeitos do ensino remoto na pós-graduação talvez menos visíveis para coordenadores: estafa, insegurança, abandono. O título da nota produzida pela UFSC, nesse sentido, causa espanto.
Destacamos que a última seção da nota, inclusive, assemelha-se com o que foi relatado pelas estudantes: “o sistema de ensino remoto […] em muitos casos traz maior desgaste a todos”; “falta das interações sociais do ensino presencial, excesso de atividades assíncronas, dificuldades de conciliar os estudos com outras atividades cotidianas e necessidade de dedicar mais tempo e maior esforço para assimilação de conteúdos”. Além disso, docentes também citaram “sobrecarga de trabalho”, “baixa interação com estudantes em aulas síncronas (poucos ligam as câmeras ou fazem perguntas) e dificuldades para avaliar se os mesmos estão conseguindo acompanhar os conteúdos”.
Por mais que muitas docentes se esforcem para promover discussão e debate nas disciplinas, desdobrando-se para estimular o engajamento e sofrendo com a sobrecarga de trabalho, ainda é muito difícil acompanhar as aulas. Quem está conseguindo, relata que as aulas não são as mesmas. Houve professor que já avisou que parte do conteúdo vai ser perdido, vai ficar para uma disciplina futura ou individualmente estudantes podem ir atrás. Mas garimpar, sozinha e sem orientação, textos, aulas, lives, é uma dedicação extenuante e sem garantia de bons resultados, ao contrário justamente do que promete a educação pública – com debate coletivo e acompanhamento especializado.
Não é só o ensino que foi afetado: muitos comentários foram sobre as dificuldades da pesquisa nesse momento. Muitas/os pós-graduandas/os dependem fisicamente do espaço e do contato presencial com outras pessoas para fazer pesquisa. Há um risco considerável de que muitas de nós farão um mestrado inteiro de forma remota. Prazos preocupam: será possível conciliar o turbilhão de atividades do ensino remoto com as demandas de uma pesquisa igualmente prejudicada?
Há riscos, de mais longo prazo, para a universidade e a educação públicas. Entre departamentos precarizados e a falta de professores, há o medo de que os vídeos gravados acabem tomando o lugar de docentes. Nacionalmente, as portarias federais 433 e 434 mostram que existe sim um interesse ativo do governo Bolsonaro em manter e expandir o ensino remoto, possibilitando um corte cada vez maior de verbas e inflando todo o setor que lucra com o avanço da educação à distância. No futuro, o resultado prático desse projeto de educação é turmas lotadas, aulas online para suprir a falta de professores, fechamento de campus menores, fim das políticas de assistência estudantil. Seria a real eternização de 2020 na educação pública.
No encontro promovido pela APG, estavam várias estudantes de pós já exaustas das muitas horas em frente ao computador, sem muitas vezes um ambiente físico adequado, nem um merecido intervalo entre uma aula e outra reunião. A solidão foi um dos aspectos mais mencionados, numa dúvida coletiva se a dificuldade era individual. Sem a companhia de outras colegas, como antes na sala de aula ou pelos corredores da UFSC, há a demonstração de como a falta de socialização também mina nossa saúde mental. Porém, embora isto tudo atravesse questões de saúde mental, observamos que esse próprio tema precisa ser politizado. A reitoria parece ver “o fornecimento de apoio psicológico” como uma solução, sendo incapaz de admitir uma das causas: o modelo excludente e precário de ensino remoto, que não deve ser naturalizado ou, como fazem ambos governo federal e iniciativa privada, visto como oportunidade de cortar gastos e lucrar com nosso sofrimento, às custas de nossa formação e do nosso futuro.
Como é possível que coordenadores/as façam uma “avaliação positiva” do que foi o ensino remoto na UFSC ao mesmo tempo em que reconhecem o desgaste, a solidão, a sobrecarga e a queda de qualidade? Isso só se explica se educar for o mesmo que tratar estudantes como máquinas, enchendo-os de tarefas que pouco têm a ver com o verdadeiro sentido de uma aula. Mas se há uma coisa que esse contexto pandêmico e de suspensão das atividades presenciais reforça para a pós-graduação, é que não é assim que as coisas funcionam. Tanto a compreensão de velhas ideias como a criação de novas exige debate, conversas, encontros, momentos de socialização. Nossos corpos precisam se mover, passar por outros ares, outros espaços. Com isso, a educação à distância, atomizada e muito dependente de recursos materiais particulares – muitas vezes escassos – jamais será verdadeiramente pública, muito menos de cunho popular. A luta, portanto, por uma universidade pública e compromissada com o povo oprimido, passa por uma rechaço a essa educação excludente, que não é excepcional, mas sim um projeto em curso.
Precisamos juntas buscar saídas coletivas para mais esse semestre de ensino remoto que se avizinha. Lembrando sempre que não estamos sozinhas nas dificuldades de produzir, no cansaço ou nas crises de ansiedade, tudo isso é sintoma desse modelo. A APG-UFSC, na sua atual gestão “Assum Preto”, está comprometida em promover espaços de troca entre nossa categoria e convida a todos e todas para construir esse debate, bem como encontros que nos fortaleçam nessa luta. Precisamos nos colocar lado a lado por nossa saúde mental, pela qualidade da nossa formação acadêmica e por dias melhores para a educação pública.