APG-UFSC assina nota de repúdio ao EaD permanente no novo projeto pedagógico do Design UFSC

09/11/2020 21:13

A APG-UFSC assina a nota de repúdio ao EaD permanente no novo projeto pedagógico do Design UFSC, produzida pelo CADe UFSC. Reproduzimos a nota a seguir.

No ano passado, nos foi apresentado, em reuniões de colegiado, um novo programa pedagógico para os cursos, que foi brevemente discutido e aprovado. Esse programa já apontava a possibilidade de implementação do EaD, mas muito pouco foi mencionado sobre o assunto, que não teve uma  análise aprofundada. Hoje, nos deparamos com um processo muito mais adiantado e já aprovado pelos Colegiados, que permite que 40% da carga horária do curso de design de produto e 27,1% da carga horária do curso de design (podendo chegar a 40% também em posteriores atualizações do projeto pedagógico) sejam dadas em EaD. Tratou-se de um processo muito pouco analisado e feito de maneira rápida e silenciosa, onde não houve consulta ao corpo estudantil. Para que a decisão entre em vigor, só será preciso aprovação da PROGRAD e de uma minuta de resolução da UFSC que implementa o Ensino à Distância (EAD).

Decisões como essas fomentam e refletem o desmonte que a Educação Pública vem sofrendo nesses últimos períodos, e reforça ainda mais a precarização do ensino. Somente neste ano, através da lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Bolsonaro e seu governo cortaram quase 20 bilhões da educação em comparação com 2019, sendo 14,8% nas universidades e 7,1% nos institutos federais. Para além disso, temos um histórico de investidas do capital contra a pesquisa e a construção do conhecimento nas universidades públicas, como à Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, e o projeto Future-se. 

Todo esse desmonte do ensino público não é por acaso. Sabemos que trata-se de um projeto político, que aos poucos encerra as diversas possibilidades que uma educação pública, acessível, gratuita e de qualidade pode oferecer à nossa sociedade. A implementação do Ensino Remoto, que desenvolveu-se durante a crise sanitária da pandemia de Covid-19, imposta em diversas universidades de maneira atropelada e desconsiderando os estudantes (os maiores afetados), é mais um exemplo deste grande projeto que se aproveita da fatalidade da situação. Mesmo implementado com a promessa de uma situação de excepcionalidade, nos deparamos com a movimentação de nossos cursos para aplicar o EaD de maneira definitiva nos novos projetos pedagógicos.

Consideramos essa conjuntura como extremamente prejudicial aos discentes e à universidade como um todo, por isso, nos reunimos para um debate aberto. Na reunião extraordinária no dia 25/09, foram levantadas questões essenciais sobre essa mudança, as quais listamos ao longo da nota.

Inicialmente, nos questionamos sobre qual seria a justificativa para que hajam matérias específicas em Ensino à Distância e outras sejam dadas presencialmente. Qual o motivo para que todas essas decisões estejam sendo tomadas tão rapidamente, mesmo que dúvidas básicas como a anterior não estejam sanadas?

Como estudantes, no Ensino Remoto, temos vivenciado a experiência de um ensino incompleto onde os debates são drasticamente reduzidos, o contato com os professores é difícil, a didática, mesmo quando há esforço, é notavelmente afetada e muitas vezes acaba se resumindo à leitura de um slide. Percebemos nossos colegas desacreditados e desmotivados a estudar, muitos deles sem vontade de continuar os cursos e desistindo de matérias. Isso sem contar todas as problemáticas que envolvem a dificuldade de conexão e de acompanhar as aulas por aparelhos e plataformas que nem sempre funcionam como deveriam. Acreditamos que os alunos que ingressarem à universidade após a aprovação dos novos planos sofrerão com os mesmos problemas e lidarão com um ensino extremamente precarizado.

Sabemos que, para aqueles que não tem acesso a computadores e internet e dependem de auxílios, essas dificuldades só se multiplicam. Em uma situação normal, os alunos que necessitam do auxílio de computadores e internet iriam à UFSC presencialmente de qualquer maneira? Se sim, então qual o sentido de implementar o Ensino à Distância? Esses alunos foram sequer considerados ou essa não passa de mais uma proposta que desconsidera a realidade desigual em que vivemos? É uma decisão pensada levando em consideração os estudantes ou apenas a realidade e posicionamentos dos  professores? Por que não há debate com o corpo estudantil? Por que tomar decisões que afetam a todos de maneira tão pouco participativa? 

Para além disso, qual seria o impacto da presença cada vez mais escassa dos estudantes nos espaços físicos da universidade? Qual o destino das salas vazias? Como ficariam os espaços de discussão e movimentação estudantil se a presença no campus seria cada vez mais reduzida? A quem serve esse projeto? Sabemos que nem aos estudantes, nem às comunidades e nem ao ensino público de qualidade brasileiro. O esvaziamento dos espaços públicos, que não mais serviriam a sociedade, demonstra uma tendência de privatizações e reduções significativas das convivências em sociedade, que desmobilizam lutas e individualizam a população. Mais uma vez, trata-se de um projeto político.

Também nos questionamos: que tipo de profissionais estariam sendo formados através de uma tela de computador? Como aprender a trabalhar em grupo – habilidade essencial para a formação do designer -, desenvolver nossa criatividade e repertório, e entender as dores das pessoas à nossa volta se não construirmos um senso de coletivo? Nos indagamos ainda sobre os pilares da Universidade pública: ensino, pesquisa e extensão. Qual a real contribuição do ensino à distância para a pesquisa brasileira, para a extensão dos conhecimentos e contribuição para com a sociedade? 

Ademais, gostaríamos de saber quais garantias temos de que o conteúdo será devidamente convertido para este novo método de ensino e não apenas jogado de qualquer maneira nas plataformas virtuais. Que garantia temos de que os professores terão o preparo técnico para operar desta maneira, já que o EaD requer uma formação específica? Ficaremos impossibilitados de ter tais aulas na falta de um professor habilitado? Ainda, quais os insumos serão oferecidos aos professores para que as aulas sejam disponibilizadas com a devida qualidade? E, além disso, qual a garantia de que isso não acarretará em uma maior sobrecarga das e dos docentes? Afinal, a preparação de aulas em formato EaD demanda também um aumento da carga de trabalho (já bastante alta) e do tempo despendido na preparação das aulas, que ganha novas etapas – tais como roteirização e edição de vídeos.

A educação à distância, por mais que no momento atual seja uma das únicas ferramentas pedagógicas que permite a atividade de ensino, permanece sendo uma alternativa deficitária e exclusivista. Compreendemos que se trata de uma modalidade válida e reconhecida, no entanto não há como negar que é um método muito mais cognitivista, que colabora com a desvalorização do ensino superior ao fortalecer a narrativa de que alguns tutoriais no Youtube podem substituir toda uma graduação. Esta narrativa tem sido cada vez mais nutrida nos últimos anos e joga a população contra a academia. Sabemos que a proposta não é de ensino 100% à distância, mas não podemos ignorar o precedente que está sendo aberto. 

Por mais que seja correto afirmar que nenhuma disciplina do curso ocorre de maneira 100% presencial, visto que a plataforma Moodle é utilizada pela maioria das disciplinas, esse aspecto se trata somente de um complemento ao ensino presencial, acessório ao mesmo. Substituir disciplinas presenciais por equivalentes puramente remotas se torna um problema a partir do momento que se faz visível a falta de eficácia de plataformas virtuais para o ensino pleno. Utilizar uma plataforma remota como intermediário para o ensino é acrescentar mais uma variável ao processo de aprendizado, variável essa diretamente afetada pelas condições e acesso à estrutura dos estudantes.

Mesmo se uma turma inteira conseguir suprir requisitos mínimos (acesso à internet e um aparelho), tratam-se de aulas engessadas, menos passíveis de adaptação de acordo com a necessidade de turmas ou de atualizações, e não permitem a clareza de comunicação e a troca de experiências como em uma aula presencial. A figura docente enfrenta a dificuldade de observar e analisar se o conteúdo está sendo absorvido e se os estudantes estão em condições propícias ao aprendizado. Dentro de casa, um estudante está exposto a uma sorte de estímulos externos ao ambiente de ensino, inclusive à eventualidade do mal funcionamento da conexão ou do dispositivo utilizado. 

Salientamos que nosso posicionamento frente à esta situação não deve ser interpretado de forma alguma como mero reacionarismo à inovação e tecnologia no ensino. Longe disso, nosso desejo é apenas de que essa discussão seja devidamente iniciada e amadurecida com todas as partes interessadas e não apenas executada, imposta de cima para baixo, desconsiderando as diversas problemáticas envolvidas. Como dúvida final, questionamos: que tipo de designers serão formados se nem mesmo o projeto pedagógico de sua formação parece ser projetado com zelo e eficiência, pois desconsidera contextos, potencializa falhas e, ainda mais grave, ignora pessoas?