APG-UFSC defende a prorrogação de prazos de qualificações/defesas e períodos de vigência das bolsas de pós-graduação!

25/05/2020 18:22

Os desafios colocados neste período em que uma pandemia assola o Brasil e o mundo revelam a importância que o investimento público em pesquisa tem para a humanidade, não apenas nos assuntos relacionados diretamente ao vírus, mas em todas as áreas de produção de conhecimento. Mesmo com esta constatação, ao invés do fortalecimento da pós-graduação em nosso país, o que podemos observar é uma série de medidas que precarizam ainda mais o trabalho de milhares de pós-graduandos e pós-graduandas que se encontram hoje jogados à deriva, com pouca ou nenhuma condição de trabalho e sem perspectiva quanto à vigência de suas bolsas. Entendemos por bolsas os salários dos pesquisadores, que possuem formação técnica para o desenvolvimento da ciência e tecnologia no âmbito nacional e internacional.

Os ataques às bolsas e à pós-graduação brasileira

A pós-graduação sofreu cortes sem precedentes em 2020 como consequência direta da adoção, pela CAPES, de um novo modelo de distribuição de bolsas. Isto foi feito através das Portarias Nº 18-21, e acelerado sub-repticiamente com a Portaria Nº 34. A CAPES se viu obrigada a recuar pela pressão estudantil e ações do Ministério Público Federal, e assim em 1º de abril publicou ofício circular alegando que o corte de 6000 bolsas fora fruto de um erro no Sistema de Cadastro de Bolsas e Auxílios. Cabe a nós avaliar o impacto deste recuo.

É bastante difícil entender como um erro em tal sistema teria passado despercebido, sendo este erro extremamente grosseiro, irresponsável e grave. De qualquer maneira, o fato é que estas 6000 bolsas parecem ter retornado aos PPGs, ao menos de acordo com a transparência nos números de bolsas que a CAPES efetuou sob ameaça do MPF. O mais importante, entretanto, é que os cortes permanecem em grande medida. Numerosos são os relatos de PPGs em que apenas uma parte dos cortes foi revertida, ou mesmo em casos nos quais não houve qualquer reversão. O caso da UNIFESP, em que nenhuma das bolsas cortadas retornou, é emblemático neste sentido.

Ainda mais importante que estes impactos imediatos, porém, é a situação geral da CAPES no cenário de pandemia. Em primeiro lugar, o recuo dos cortes, além de ser apenas parcial em termos do número de bolsas, não configura exatamente uma reversão, já que as cotas de bolsas que retornaram são da modalidade de empréstimo, ou seja, são bolsas que poderão ser retiradas dos PPGs – conforme os pós-graduandos atuais forem se formando – caso estes não atendam os quase irrealizáveis critérios instituídos pelo novo modelo de distribuição. Em segundo lugar, é importante notar que as Portarias Nº 18-21 e Nº 34 continuam vigentes (com exceção da Portaria Nº 19, revogada pela Portaria Nº 21). Por fim, o cenário do MEC e da CAPES, sob administração de Abraham Weintraub e Benedito Aguiar, cujas mãos se lavam no sangue junto às de Bolsonaro e companhia, não é nada animador, sendo notável a progressiva deterioração da universidade pública e do sistema nacional de pesquisa. Este sistema também passa pelo MCTIC, que recentemente instituiu nova política de prioridades através da Portaria Nº 1122 do MCTIC. Na prática, esta política configura a exclusão das Humanidades e de diversas outras áreas que não recaem sob os poucos eixos tecnológicos priorizados, sem que por isso haja qualquer evidência de melhoria nos investimentos e nas condições gerais de pesquisa para as áreas ditas prioritárias, as quais também vêm há tempos penando os cortes. Os cortes já impactam, hoje, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), e em breve impactarão todo o CNPq, bem como restante dos programas do MCTIC.

As Portarias Nº 18-21 mantêm como critério principal a nota da Avaliação Quadrienal da CAPES, a qual é historicamente criticada por seguir uma lógica meritocrática, produtivista e que desconsidera as demandas regionais, prejudicando em especial os PPGs que, não dispondo de bolsas, se veem com dificuldades para aumentar suas notas. Dada a demanda de tempo implicada na produtividade exigida para este aumento, a demanda se torna impossível de ser alcançada sem a dedicação exclusiva propiciada pelas bolsas. Deste modo, os PPGs não conseguem aumento nas suas cotas de bolsas, gerando um ciclo vicioso e/ou uma sobrecarga monstruosa nos pesquisadores a fim de alcançar a nota almejada.

No novo modelo entram também o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e a média anual de titulados do PPG. O critério do IDHM, que vem sendo propagandeado como fator de correção do modelo, beneficia tão somente PPGs situados em municípios com IDH muito baixo, o que não é o caso da ampla maioria, além de desconsiderar a importância regional dos PPGs – não raro, as cidades nas periferias das metrópoles são atendidas pelos PPGs destas últimas e têm IDH muito mais baixo que as cidades sede, algo que o critério não capta. Se a promessa do IDHM se revela uma farsa por si só, entretanto, o critério de titulação anual média é ainda mais cruel, pois institui metas inalcançáveis de prazos para a conclusão dos cursos, “com o agravante de as exigências serem díspares de acordo com a área de pesquisa – exige-se maior número de titulados do colégio de Humanidades, e menos de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar, ficando as Ciências da Vida em patamar intermediário, o que se propagandeia como forma de priorizar áreas que seriam consideradas mais importantes, mas que ao fim e ao cabo serve apenas como tentativa de mascarar o fato de que os cortes atingirão todas as áreas”. Por este novo modelo, os PPGs da UFSC, por exemplo, seriam todos prejudicados, algo que se torna inadmissível considerando não se tratar de exclusividade desta instituição. O novo modelo, em outras palavras, implica em cortes tanto locais quanto globais no Sistema Nacional de Pós-Graduação.

Entendemos que, embora a Portaria Nº 34 acelere muito o processo dos cortes, ela apenas opera sobre as demais portarias mencionadas (alterando os tetos e pisos para acréscimos e cortes anuais de bolsas nos PPG), as quais, por si só, já são extremamente prejudiciais às condições da(o) pós-graduanda (o) e da pesquisa nacional, motivo pelo qual nossa campanha precisa ser pela revogação de todas elas. É preciso estarmos atentos para que não seja implantado qualquer novo modelo sem ampla consulta e debate com a sociedade e com as partes mais diretamente envolvidas, como infelizmente já está ocorrendo. Além do mais, como diversas análises vêm demonstrando, haveria cortes de bolsas mesmo sem a implantação da Portaria Nº 34.

“Neste cenário, causa muita estranheza que entidades previamente cientes da construção deste novo modelo (como o FOPROP, que discutiu o modelo com a CAPES antes de sua implantação; bem como a ANPG, que possui cadeira no Conselho Superior da CAPES) não tenham denunciado o modo como se desenrolou este processo e as suas possíveis consequências, bem como que se posicionem tão somente pela revogação desta portaria específica, quando a única posição que evitaria cortes e poderia dar origem às soluções para o modelo vigente de distribuição de bolsas seria justamente a contrariedade organizada a todo o conjunto destas portarias”.

O direito à prorrogação das bolsas

Mais do que nunca, dada a situação dos cortes até aqui apresentada, o andamento das pesquisas na pós-graduação tem se caracterizado num cenário de intensa precarização, o que, por sua vez, expressa as crises política e econômica que se alastram no Brasil e no mundo. Atualmente, estas crises tomam imensurável profusão na universidade brasileira, dado o grau inédito de desmonte desta, combinado com a pandemia de covid-19, que ainda se alastra e segue com alto nível de contágio no Brasil e no mundo. Neste momento, o papel das universidades e da pós-graduação está em ampliar pesquisas nos mais diversos campos do conhecimento com mirada na transformação do atual cenário. Assim, faz-se necessário rompermos com a lógica de migalhas e de aceitação dos cortes atenuados para que o trabalho de pesquisa siga rumo à ampliação dos horizontes em relação ao contexto pandêmico, para que os trabalhadores da pós-graduação tenham condições de vida dignas, tendo em vista os cuidados com o tão necessário isolamento social.

Assim sendo, é preciso refletir sobre as inúmeras implicações que temos à pesquisa durante o período de pandemia: há pesquisas que precisaram ser abruptamente interrompidas, ou sequer foram iniciadas, pois necessitam de trabalho de campo ou acesso aos laboratórios; há pesquisadores e pesquisadoras que não possuem internet em casa para fazer pesquisa bibliográfica e também, devido às necessárias restrições sanitárias, não podem acessar bibliotecas; há pesquisadores e pesquisadoras que estando em casa necessitam destinar seu tempo aos cuidados com familiares – alguns apresentando problemas de saúde, inclusive agravados pela pandemia – além das mães e pais com filhos em casa, de modo que não possuem condições mínimas para o tão mencionado ‘home office’. 

Por fim, além da precarização posta nas publicações da CAPES/CNPq, a situação de total instabilidade gerada pela pandemia não só lança os/as trabalhadores/as da pós-graduação ao relento, como também não enfatiza o potencial que a pesquisa tem para ampliar as possibilidades de compreensão da realidade em um momento tão calamitoso como o que vivemos.

Sobre a situação das agências de fomento, aponta-se a publicação da Portaria Nº 55 da CAPES, a qual prevê a possibilidade de prorrogação excepcional de no máximo 90 dias, tanto do prazo de finalização do curso quanto do prazo de recebimento de bolsa. Posteriormente, o CNPq publica o Informe Nº 4 também sobre a prorrogação de bolsas, porém, permitindo a prorrogação em no máximo 60 dias. Em ambos os casos, faz-se necessária a anuência da coordenação do PPG.

Trabalhadores e trabalhadoras da pós-graduação têm enfrentado grandes barreiras com as coordenações dos PPGs pela dificuldade de vencer as burocracias postas para a concessão da prorrogação. Em alguns casos, os PPGs entenderam haver impedimento para as pesquisas e decidiram por solicitar prorrogação de todas as bolsas. Em outros, porém, os pós-graduandos chegam a relatar que as coordenações de seus PPGs decidiram unilateralmente por não aceitar qualquer pedido de prorrogação, sob alegações como a de que isto atrapalharia os próximos processos seletivos, dado que a Portaria CAPES Nº 55 não altera o número de cotas de bolsas e, portanto, acaba por impedir a entrada de novo bolsista enquanto durar a prorrogação do atual bolsista ocupante desta cota (o CNPq não sinalizou se o mesmo ocorre com suas bolsas). Este é de fato um grande problema desta portaria, no entanto, entendemos que não é plausível prejudicar o bolsista atual impedido de continuar suas pesquisas no período de pandemia, de modo que os PPGs deveriam pressionar as agências de fomento pela abertura de novas cotas e, se necessário, adaptarem os calendários de seus processos seletivos para dar conta dessas demandas. Soma-se a isso a pressão à qual alguns PPGs submetem os/as estudantes por conta da competição nas avaliações para a distribuição de investimentos e bolsas, bem como por todos os critérios que aumentam as desigualdades e a competitividade. O cenário aqui exposto só agudiza a realidade de um adoecimento em massa em relação à saúde mental dos pesquisadores e das pesquisadoras de pós-graduação no país.

A APG-UFSC reforça que este período em que passamos por uma crise social não é uma janela de oportunidade para produzir mais. O que os/as pós-graduandos/graduandas necessitam é de condições mínimas e estáveis para perspectivar suas pesquisas. Isto começa pela garantia da prorrogação de prazos de qualificações/defesas e de vigência de suas bolsas. “Algumas modalidades de bolsas, como as do Programa Nacional de Pós-Doutorado, sequer gozam de qualquer possibilidade de prorrogação, apesar da alta demanda dos bolsistas abrangidos, a qual é bastante similar à demanda geral dos pós-graduandos”. Para além da CAPES e do CNPq, alguns órgãos de fomento à pesquisa estaduais – como a FAPERJ, FAPESP, FAPEMA e FAPES, por exemplo – já estenderam o prazo de vigência das bolsas, mostrando que isto é possível e benéfico tanto aos pesquisadores/pesquisadoras quanto aos próprios resultados das pesquisas.

A FAPESC, por outro lado, defende através do Comunicado Nº 005 a não prorrogação das bolsas. Deixa claro que tem a missão de “Promover o ecossistema catarinense de Ciência, Tecnologia e Inovação por meio do fomento e da integração de seus agentes, objetivando o avanço de todas as áreas do conhecimento, o equilíbrio regional, o desenvolvimento econômico sustentável e a melhoria de vida do cidadão catarinense […] [e que] apesar de reconhecermos as dificuldades que alguns pesquisadores estão enfrentando para a plena execução das atividades de pesquisa, entendemos que os pesquisadores estão conseguindo manter suas atividades de estudo, de pesquisa on line e bibliográfica, de discussões e ensaios privados, sendo prejudicados por algumas restrições de levantamentos de dados em campo, ensaios de laboratórios e ações diversas externas”. O Comunicado continua: “Assim, considerando a continuidade dos estudos e ações de pesquisa, a FAPESC manteve e manterá o pagamento das bolsas de Mestrado e Doutorado”, e arremata, “caso algum programa ou pesquisador esteja impedido por completo no desenvolvimento da pesquisa, solicitamos que faça contato com o próprio Programa, orientador e com o setor de bolsas da FAPESC para regularizar a situação, inclusive com a devida suspensão da Bolsa, se for o caso”. Frente ao exposto, a partir de trechos extraídos do próprio comunicado, ficam algumas questões: primeiro, se a entidade está de fato preocupada com o desenvolvimento econômico sustentável e com a melhoria de vida dos catarinenses, atentar contra a qualidade de vida e do trabalho de pesquisa nas universidades do estado catarinense não vai de encontro a estes pontos? Se as dificuldades estão sendo reconhecidas, como afirmar que os/as pesquisadores/as estão conseguindo manter as atividades? Foi realizado algum levantamento, por meio de dados, objetivos e subjetivos, de pesquisadoras e pesquisadores, sobre as reais condições de trabalho?erá que são mesmo “apenas algumas restrições” apontadas que dificultam o trabalho neste momento de pandemia, de crise política e econômica? Se há um impedimento, seja de qual ordem ou razão, a postura da entidade é cortar o sustento destas pessoas, destas famílias?

De acordo com estes questionamentos, nos parece apressado e pouco sensato o posicionamento da FAPESC, prejudicando a vida das e dos pesquisadores, de suas famílias e a qualidade de suas pesquisas, diretamente afetadas devido ao presente e preocupante cenário. Com isso, defendemos que se abra a possibilidade de prorrogação – assim como já indicado por algumas agências de financiamento – de prazos, taxas de bancada e bolsas para todas e todos estudantes que assim desejarem, independente das fontes de financiamento das pesquisas e dos PPGs nos quais as exercem. Defendemos também que os PPGs avaliem com prudência e transparência as justificativas apresentadas pelos bolsistas, devendo ser reservado aos pós-graduandos o direito de recorrerem a outras instâncias caso se sintam prejudicados pela avaliação, inclusive nos casos já avaliados.

Faz-se essencial neste momento que a FAPESC e demais órgãos de fomento à pesquisa ouçam a comunidade de pesquisadores(as), inclusive considerando um aumento temporário das cotas de bolsas e dos períodos de prorrogação – já que não há previsão exata sobre o fim da pandemia –  revendo assim seus posicionamentos no sentido de acatar recomendações como as aqui expostas. Esta deve ser uma garantia mínima para a saúde, para a qualidade de vida, para a segurança e continuidade dos trabalhos das pesquisadoras e pesquisadores em todo país e em todas as áreas do conhecimento. Além disso, é também uma garantia de investimento nos distintos ramos de pesquisa, os quais cumprem papel essencial na prevenção e combate a conjunturas de difícil solução – como a atual – mas que são muito prejudicados em sua capacidade quando o investimento não é estável e duradouro. Somente dando a devida atenção a estas e outras reivindicações similares, valorizando assim a vida e o trabalho dos pós-graduandos, será possível preservar as condições de desenvolvimento das pesquisas em andamento.

PELO DIREITO À PRORROGAÇÃO DE TODAS AS BOLSAS!

PELA PRORROGAÇÃO DE TODOS OS PRAZOS ACADÊMICOS!

EM DEFESA DA PESQUISA E DOS PÓS-GRADUANDOS!