Os/as discentes do Programa de Pós Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFSC, em reunião ocorrida no dia 20/07 decidiram, por unanimidade, colocarem-se em total contrariedade à Resolução Normativa, registrada no Processo 23080.030050/2022-98, apresentada no dia 23/06 na Câmara de Pós-Graduação (CPG), que visa institucionalizar de 20 a 30% de cada um dos currículos dos programa em caráter remoto.
A proposta se apresenta no momento em que a Universidade adapta-se ao seu primeiro semestre de atividades presenciais após quase dois anos exercendo atividades em caráter remoto emergencial. Essa suposta experiência com as atividades online, entretanto, tem sido reivindicada por alguns setores da universidade para justificar a implementação de um projeto de longa data do capital: o Ensino a Distância.
Esses setores, no âmbito da CPG, têm justificado o projeto sob dois argumentos: 1) A existência de uma portaria emitida pela CAPES em 2019 que autoriza a modalidade de educação a distância em pós-graduações stricto sensu; 2) a resolução normativa n ̊ 154/CUn da UFSC, que já prevê a possibilidade de professores externos aos programas participarem de aulas em sistema de videoconferência. Além disso, adicionam no processo o embasamento “científico”: três artigos que defendem os supostos benefícios do ensino híbrido.
Em primeiro lugar, que a CAPES tenha uma resolução que autoriza a modalidade a distância em pós-graduações stricto sensu não deveria ser um argumento com peso, pois a universidade tem autonomia em relação às indicações de órgãos estatais para essa instituição. Em segundo, esse não deveria ser mais um dos processos que é justificado por já existirem aberturas legislativas. Essa é uma estratégia para afastar o debate político e implementar o projeto da classe dominante para a universidade sem discussões profundas sobre seu verdadeiro significado. E em terceiro, fica excluído do processo toda a produção científica do “outro lado”: todos aqueles pesquisadores que têm se dedicado a debater os efeitos negativos dessas experiências e os reais motivos pelos quais elas têm se apresentado com tanta força nas universidades.
Do nosso ponto de vista, essa normativa deve ser rejeitada em sua totalidade. Nós, pesquisadores de uma universidade pública, preconizamos pela qualidade da nossa formação, o que inclui a presença de professores e colegas em sala de aula, a vivência no espaço da universidade e as trocas dentro e fora da sala. Além disso, a qualidade da nossa formação relaciona-se diretamente com o financiamento à pesquisa, o que deve incluir bolsas para os alunos em valores condizentes com as necessidades dos/as pesquisadores/as, e também recursos para a manutenção dos espaços de pesquisa. Infelizmente, esse projeto se apresenta como uma das formas de a universidade se adaptar à crise orçamentária, tanto para a manutenção de suas atividades quanto para o fomento à pesquisa.
Ademais, para aqueles/as que almejam a pesquisa com intuito de construir uma carreira docente, acabam sendo confrontados, devido à essa política, com a demissão em massa de professores em razão da substituição destes pelo uso massivo de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Soma-se a isso, a alteração da própria carreira docente, com a inserção de outras carreiras com um grau de precarização mais acentuado, como a de tutoria, que aparece para mediar a relação dos estudantes com essas tecnologias. Esvazia-se assim, grande parte do papel que docentes têm a cumprir na formação dos/as pesquisadores/as.
Um dos argumentos correntes na defesa da implementação definitiva do Ensino Remoto na pós-graduação stricto sensu tem sido o suposto enriquecimento, a partir das experiências online, a partir do compartilhamento de relatos, pesquisas, estudos por pesquisadoras(es), estudantes, professoras(es) das mais diversas instituições de ensino superior, no Brasil e fora dele. Ainda que, de fato, o ensino remoto tenha permitido tais trocas, é importante reiterar que essas se resumem a espaços limitados de troca de experiências, restritos às imagens e áudios que as plataformas permitem. Com a generalização da utilização desses recursos, na verdade, o que aconteceria seria o empobrecimento de eventos, seminários, congressos científicos, que não mais contariam com a possibilidade de, em viagens, estudantes, professoras(es), pesquisadoras(es) conhecerem outros campi, outras universidades, países, culturas, línguas, costumes – experiências intrínsecas às tarefas relativas ao comparecimento nesses espaços.
Articulado a isso, cabe ainda questionar as implicações dessa “internacionalização” da universidade do ponto de vista do debate histórico que remete à propriedade intelectual, ainda que não em um sentido privado. Faz-se necessário ter em consideração que os diversos países, colocados na tarefa da produção de conhecimento, o fazem em uma divisão internacional do trabalho historicamente determinada, que os coloca em posições distintas, desiguais, quanto à absorção das riquezas oriundas do desenvolvimento da ciência e tecnologia.
A presença dessas TICs se apresenta atrelada a um suposto projeto de “modernização”, que seria necessário nos tempos presentes. Contudo, a adoção dessas tecnologias não é neutra. Ela representa um projeto de classe e, do nosso ponto de vista, é necessário que as universidades correspondam aos interesses da classe trabalhadora; que o debate sobre a adoção ou não de determinadas tecnologias esteja atrelado à discussão do de classe projeto em curso. A adoção das tecnologias não é neutra; as tecnologias, em si, o são.
Nos chama a atenção que essa iniciativa, apresentada nos dias atuais na CPG da nossa universidade, esteja em total acordo com o projeto do governo federal para as universidades públicas, o Reuni Digital. Em outras palavras, apesar de se forjar no ambiente universitário uma certa contrariedade às medidas governamentais de cortes orçamentários e sucateamento das IES, há setores dentro delas que assumem como suas as tarefas de correia de transmissão dos governos que promovem esse sucateamento. Esses setores se aproveitam de certas benesses da universidade pública, ao mesmo tempo em que a atacam por dentro, colocando-se contra a sua existência. Em uma autarquia, os setores conservadores implementam uma concepção conservadora de política, que reduz a grupos tecnocráticos a capacidade de decidir os rumos da universidade, sem levar em consideração as contribuições de docentes, discentes, pós-graduandas(os), técnicos-administrativos, trabalhadores terceirizados.
Nos recusamos a aceitar que essa resolução seja aprovada e nos aproxime do projeto que este governo tem para uma instituição tão importante para nós. Convidamos estudantes de outros programas e professores a se somarem conosco nessa luta!