Ações afirmativas na Pós-Graduação, o não-mais Ministro da Educação e a política racista do Brasil

19/06/2020 13:59

Nós, da Associação de Pós-Graduandas e Pós-Graduandos (APG) da UFSC, repudiamos a portaria publicada nesta quinta-feira (18 de junho) pelo Ministério da Educação (MEC), que revoga a portaria nº 13/2016 do mesmo ministério sobre a aplicação de ações afirmativas nos cursos de pós-graduação brasileiros. A medida de 2016 caminhava na mesma direção da Lei nº 12.990/2014, chamada Lei de Cotas, que consolidou as ações afirmativas na graduação. A portaria nº 545/2020 é assinada pelo então ministro Abraham Weintraub como uma de suas últimas ações ministeriais, pois ao final do mesmo dia ele anunciou sua saída. Essa medida é um ataque direto ao processo de acesso justo e igualitário promovido pelas ações afirmativas aos cursos de mestrado, mestrado profissional e doutorado, política pública que é fruto de uma histórica luta dos movimentos sociais no Brasil.

A fim de atenuar a dívida histórica do processo de invasão, escravização e genocídio das populações oprimidas, a portaria de 2016 previa o ingresso do povo negro, dos povos indígenas e de pessoas com deficiência às universidades públicas, historicamente dominadas pela elite branca nacional. Em muitas universidades e programas, a implementação ainda abarcou quilombolas, pessoas trans e imigrantes. Isso é fundamental porque mesmo negras e negros sendo 52,9% da população brasileira, eles são apenas 28,9% dos estudantes da pós-graduação. Lembramos aqui que o ex-ministro Weintraub, em reunião ministerial, disse não gostar do termo “povos indígenas” e prometeu ali mesmo que “acabaria com esse privilégios”. Reafirmou ali o projeto genocida iniciado em 1500 e agora deu a canetada em prol do elitismo na pós-graduação brasileira.

Enquanto APG-UFSC, estivemos nos últimos dois anos participando, junto ao Comitê de Ações Afirmativas da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PROPG), dos debates para a aplicação da portaria nº 13/2016 em nossa universidade. Construímos, junto ao Comitê, uma proposta de regulamentação das ações afirmativas a ser implementada gradualmente em todos os nossos programas – proposta finalizada na metade do ano passado. Repudiamos, portanto, a revogação da portaria pelo MEC e entendemos que isso não pode legitimar a desistência da adoção de ações afirmativas nas pós-graduações de nossa universidade, bem como em outros PPGs e universidades do país.

Reivindicamos, dada a autonomia de nossa Universidade e de nossos PPGs, a urgência, importância e necessidade da aprovação da política de ações afirmativas na UFSC. Queremos uma política de ações afirmativas para toda a pós-graduação! Não podemos retroceder frente a essa postura racista do MEC, pois é necessário avançar rumo a uma pós-graduação construída pelos povos oprimidos.

Nesse sentido, parabenizamos e nos juntamos à luta e fortalecimento das políticas de ações afirmativas estabelecidas por 12 PPGs na UFSC até agora. São eles: PPGAS, PPGD, PPGE, PPGECT, PPGESE, PPGET, PPGFIL, PPGH, PPGL, PPGSC, PPGSS e PPGSP. Ainda muito poucos dentro dos 87 programas que temos.

Caso você esteja à frente desse debate no seu PPG e precise de apoio, fale conosco! No momento, ações como essa são necessárias na resistência frente a uma conjuntura e um governo que ataca não só as universidades públicas, mas especialmente as populações mais vulneráveis.

AÇÕES AFIRMATIVAS NA PÓS-GRADUAÇÃO DA UFSC JÁ!

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Corte de bolsas CAPES e a pós-graduação

26/03/2020 17:47

Em meio aos acontecimentos dramáticos que estamos vivendo em razão da pandemia de coronavírus (COVID-19), recebemos a notícia da publicação da Portaria nº 34 da CAPES e da não abertura do sistema de cadastro para novos bolsistas. Esses acontecimentos, de maneira isolada, já representam enorme preocupação, mas, em conjunto, tornam a angústia um elemento tangente em nosso meio. Apesar disso, torna-se fundamental mantermos a prudência e agirmos consequentes neste momento: entendermos o que está acontecendo para que possamos politicamente organizados estarmos resistindo a mais este ataque do Governo Federal. Para evitar uma grande mistura de informações, esta nota trata em específico do corte de bolsas, enquanto os temas relacionados à pandemia aparecem em segundo plano porque serão tratados em documento mais específico.

No último dia 20 de março, ao contrário do que havia sido divulgado pela CAPES às Instituições de Ensino Superior (IES), o sistema para cadastro de novos bolsistas não foi aberto, impedindo a renovação de bolsas de estudos e a realização dos cadastros daqueles que haviam sido contemplados por fomento após respectiva aprovação nos processos seletivos de diferentes Programas de Pós-Graduação (PPGs) do país. O motivo aponta para a implementação de novos critérios de distribuição de bolsas, alardeados pelo Governo e pela CAPES.

Os mencionados novos critérios encontram-se materializados em uma sequência de Portarias da CAPES — Portarias nº 18, 20, 21 e 34. As portarias 18, 20 e 21 alteram os programas de concessão de bolsas e auxílios CAPES, quais sejam: DS (Programa de Demanda Social), PROEX (Programa de Excelência Acadêmica), PROSUP (Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Privadas) e PROSUC (Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino). Na prática, isso representa todos os programas relacionados diretamente com os cursos de mestrado e doutorado, em todas as regiões e para todos os níveis e tipos de entidade de ensino, pública, privada ou comunitária. Tais portarias possuem diferenças pontuais umas em relação às outras, a depender do programa em que estão realizando alterações, mas no geral trazem os mesmos elementos, sendo eles: um quantitativo inicial de unidades de fomento baseado na última avaliação dos PPGs (Avaliação Quadrienal 2017) e nas grandes áreas (agora chamadas de colégios, divididos em ciências da vida, humanidades, e ciências exatas, tecnologias e multidisciplinar); juntamente com outros dois fatores numéricos, o IDHM (relacionado ao Índice de Desenvolvimento Humano do município em que é ofertado o curso de pós-graduação) e a titulação média do curso (que remete à média de discentes titulados no período 2015/2018). Juntos, esses três elementos representam os novos critérios de distribuição de bolsas e auxílios (agora chamados de unidades de benefício) aplicados indiscriminadamente a todos os PPGs e programas de concessão de bolsas e auxílios existententes.

A Portaria nº 34 altera as anteriores com relação às limitações de piso e teto das tais unidades de benefício e dá corpo à Diretoria de Programas e Bolsas no País (DPB). As limitações de piso e teto, conforme a Portaria nº 34, ficam da seguinte maneira: diminuição não superior a 50% (cinquenta por cento), para cursos cujas duas últimas notas forem iguais a 3 (três), vedado qualquer acréscimo; diminuição não superior a 45% (quarenta e cinco por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 3, vedado qualquer acréscimo; diminuição não superior a 40% (quarenta por cento) ou acréscimo limitado a 10% (dez por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 4; diminuição não superior 35% (trinta e cinco por cento) ou acréscimo limitado a 30% (trinta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 5; ou diminuição ou acréscimo limitado a 10% (dez por cento), para cursos de nota A ou de nota 3 ainda não submetidos a processo de avaliação de permanência; diminuição superior a 30% (trinta por cento) ou acréscimo limitado a 70% (setenta por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 6; ou diminuição não superior a 20% (vinte por cento), para cursos cuja nota atual for igual a 7, sem limitação de teto. O órgão da CAPES apontado para fazer todos os levantamos e logística da distribuição de recursos é a Diretoria de Programas e Bolsas no País, que tem suas funções definidas nas portarias que tratamos aqui.

É importante pontuar que toda a distribuição de recursos, de acordo com os textos destas portarias, fica sujeita à disponibilidade orçamentária da CAPES. Existe ainda a abertura para revisão dos critérios estabelecidos, especialmente do primeiro, relacionado aos colégios, de acordo com a conveniência da agência de fomento — o que aponta para uma notável abertura de discricionariedade, nitidamente incompatível com a mínima segurança necessária para o desenvolvimento da pesquisa científica em qualquer área de conhecimento.

Estes critérios, já anunciados pelos círculos mais altos do Governo Federal, geraram imediata preocupação e repercussão. Em função disso, entidades da sociedade civil organizada, a exemplo da SBPC (Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência) e da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), fizeram pressão política para que a aplicação e a revisão dos critérios fosse alvo de debate com participação democrática, para que a categoria mais afetada pelas medidas pudesse ser ouvida e contribuir com as discussões, conforme o que se espera de uma boa prática de gestão pública da educação brasileira. Isto não aconteceu e presenciamos o lançamento da medida de forma unilateral por parte do presidente da CAPES, sem ouvir nem mesmo o Conselho Superior da entidade. Junto a isso, tivemos o já mencionado fechamento do sistema de cadastro de novos bolsistas, no último dia 20. Ambos os acontecimentos apontam para a aplicação imediata das medidas e novos critérios, em desacordo ao recuo inicial do Governo, conforme atestado pelo FOPROP (Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação), cuja última reunião aconteceu em 11 de fevereiro de 2020. A medida que concebe os novos critérios havia sido acordada para vigorar apenas a partir de 2021, embora desde já apresentasse uma série de problemas e questões mal respondidas, mas no auge de uma pandemia, ela é determinada a toque de caixa pela CAPES.

Esses critérios anunciados nas portarias surgem como concretização do sequestro de bolsas acontecido no ano de 2019. Na ocasião, presenciamos o congelamento de cerca de oito mil bolsas de estudos consideradas ociosas, com a promessa de uma reestruturação nos critérios de distribuição. Hoje, o que presenciamos é uma mudança ainda mais drástica, com impacto possível em cerca de 20 mil bolsas de estudo e em todas as áreas do conhecimento, conforme levantamento realizado pela ANPG. Para além de uma reestruturação, a realização destes novos critérios surge indiretamente como mecanismo de corte de bolsas de pesquisas ativas, como presenciamos na última semana com a não abertura do sistema de cadastro de novas e novos pesquisadores, visto não haver discriminação entre bolsas ociosas e contratadas, isto é, entre bolsas que estão inativas e aquelas que estão em vista de utilização pelos PPGs e PROPGs (Pró-reitorias de Pós-Graduação) do país, em consequência e consideração ao fluxo normal de matrículas. Somente na UFSC foram cortadas 572 bolsas, um golpe fulminante no financiamento da pesquisa local.

O impacto de uma mudança tão drástica é terrível para a vida de milhares de pesquisadores que, agora, ficam sem condições de subsistência. É necessário um entendimento nítido de que se desconhecia a realização de tais cortes para este momento, ainda que eles viessem a acarretar problemas tão graves quantos os de agora independentemente de qualquer anunciação antecipada e do momento em que fossem aplicados. De qualquer modo, foi pega de surpresa uma enorme gama de pesquisadoras e pesquisadores, trabalhadoras e trabalhadores da ciência brasileira, financiados com dinheiro público, que respondem por mais de 90% da produção científica do país. Embora chamadas por “bolsas de estudo”, o dinheiro que corresponde ao financiamento público direcionado aos estudantes e às estudantes de pós-graduação trata-se, de fato, do salário com o qual os pesquisadores e as pesquisadoras são pagos por seu trabalho e com o qual se alimentam, se vestem, pagam seus aluguéis e demais despesas pessoais. Diferente do escárnio e desrespeito apresentados pelo Governo Bolsonaro contra a academia e a ciência nacionais, como se receber pagamento pelo trabalho de pesquisa fosse um privilégio, temos uma realidade em que cerca de metade dos pesquisadores e pesquisadoras sequer recebem esse pagamento, trabalhando de graça e cobrindo seus próprios custos. Somando-se a isso, há também uma defasagem histórica dos valores pagos em bolsas de estudo, os quais se mantêm há mais de sete anos sem reajuste, bem como uma completa ausência de segurança trabalhista e direitos previdenciários.

Por fim, na soma dos fatores, vivemos uma drástica conjuntura onde uma crise e uma pandemia global de coronavírus, para a qual a principal recomendação das autoridades em saúde é o isolamento social, aglutinam-se e pioram significativamente as condições de vida dos pós-graduandos. Como imaginar a situação de milhares de pessoas que descobrem do dia para a noite que ficarão sem seus salários? Qual resposta o Governo Federal emite senão a precarização ainda maior da ciência brasileira? Isso em um momento em que justamente são a Universidade e a pesquisa científica que respondem às demandas da sociedade por cuidados de saúde, produção de testes, medicamentos, vacina, dentre uma série de outras demandas essenciais para o combate do quadro epidêmico em que nos encontramos. Um quadro em notória piora devido ao espírito intencionalmente amante da ignorância e da negação do conhecimento científico, que habita a Presidência da República e alastra seu veneno pela máquina do Estado, como podemos observar neste momento através da CAPES.

Neste sentido, e por essas razões, a Associação de Pós-Graduandos e Pós-Graduandas da UFSC (APG-UFSC), posiciona-se e faz coro às mais de sessenta entidades nacionais ligadas à educação, que solicitam: a revogação das portarias a que nos referimos, 18, 20, 21 e 34; a restituição de todas as bolsas perdidas desde 2019, com o reajuste devido e integral dos valores pagos; e a recomposição do orçamento destinado à educação, ciência e tecnologia, para o patamar destinado no ano de 2014. Entendemos ainda que junto a isso precisa ser levantada, mais uma vez e sempre, a bandeira da revogação da Emenda Constitucional nº 95, a famigerada EC do Teto de Gastos, cuja função serve apenas ao capital e ao estrangulamento dos serviços públicos fundamentais, como é o caso da educação, mas também da saúde, agora em máxima evidência. Acreditamos que qualquer defesa da educação, do SUS e da mínima dignidade das brasileiras e brasileiros passa pela revogação desta medida.

Precisamos, mais do que nunca, seguir em unidade e lutar pelos nossos direitos. Nenhuma bolsa a menos!

Florianópolis, 26 de março de 2020,
APG-UFSC, Gestão Assum Preto

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