Por que estamos em luta?
Esse texto é uma análise de conjuntura produzida pela APG e lida em assembleia da pós graduação em 11 de setembro de 2019.
Passamos, enquanto pós-graduandos e pós-graduandas das universidades brasileiras, por um dos momentos de maior adversidade das últimas décadas e, talvez, enquanto geração fruto das ações afirmativas e da expansão do ensino superior público e da ciência brasileira, de toda nossa história. Somos questionadas pela sociedade a responder a problemas sociais históricos, impelidos a nos comunicar horizontalmente com a população, e olhar com responsividade para a desigualdade brasileira, mostrando que não somente nos importamos com a classe trabalhadora, mas que nós, universitários/as da UFSC, também somos a classe trabalhadora.
No início deste ano o governo de Jair Bolsonaro anunciou contingenciamento de R$ 29 bilhões do orçamento federal em 2019 (medida publicada em uma edição extra do Diário Oficial de 29 de março deste ano). O maior afetado: o Ministério da Educação, que teve congelados R$ 5,8 bilhões de reais — cerca de 25% do orçamento originalmente previsto para pasta no ano. Somente a UFSC foi penalizada com o corte de 46 milhões de reais. Antes disso, em 2016, passou em nosso legislativo a Emenda do Teto dos Gastos, a qual muitos de nós lutaram e lutamos contra, que prevê que durante vinte anos não haja aumento no investimento em saúde e educação em nosso país, o que está ampliando, entendemos, a desigualdade brasileira e a oportunidade de acesso a políticas básicas, em especial para a população mais pobre.
Além disso, nacionalmente, nós, pós-graduandos e pós-graduandas, nos situamos em verdadeira condição de precariedade dentro das universidades, sem lei trabalhista alguma, sobreviventes da lógica do produtivismo acadêmico graças às bolsas de pesquisa, já defasadas há seis anos. Sobre isso, a situação é de ataque às Instituições Federais e às nossas pesquisas: as bolsas da CAPES e do CNPq estão sendo extintas, num agravamento ainda mais intenso das condições de pesquisa na pós-graduação. A CAPES terá somente metade do orçamento para 2020, em que só este ano 11.000 bolsas já foram retiradas. O CNPq deixa em insegurança material mais de 80 mil pesquisadores/as brasileiros/as, quando informa que não tem garantia de que conseguirá pagar as bolsas dos pesquisadores no mês seguinte. Ambos órgãos de fomento nos informam que não serão aceitos novas pesquisadoras e pesquisadores bolsistas neste e no próximo ano.
Na UFSC, sentimos em nosso dia-a-dia esses ataques do governo federal à ciência e à educação. Tivemos, no mês passado, 95 trabalhadores da comunidade universitária demitidos, para os quais reivindicamos a recontratação. Além disso, hoje, às 7h da manhã, o formulário que disponibilizamos ontem, 10/09, para as pós-graduandos e pós-graduandas de nossa instituição, menos de 24h depois já tinha 1.133 respostas sobre como o corte de investimento à ciência impacta na continuação de nossas pesquisas. Com as bolsas cortadas, 26% dos estudantes responderam que não conseguiriam se manter na Universidade, e 50,6% desses estudantes responderam que precisariam trabalhar, comprometendo a dedicação exclusiva. Sem o RU, esses números chegam, respectivamente, a 8,3% e 24,7%. Entendemos então, que nossa permanência na cidade de Florianópolis, com dedicação exclusiva à pesquisa, foi posta em cheque quando a reitoria de nossa universidade nos informou que ficaríamos sem o Restaurante Universitário: para o que dissemos não, em assembleia geral da UFSC no dia 02/09, defendendo que o RU não parará antes do resto de nossa instituição, pois dependemos dele. A situação nos aflige também psicologicamente, 81,3% das 1.133 pessoas responderam que, devido ao momento de desmonte da educação atual, tem, no momento, a sua saúde mental afetada.
Sofre a ciência brasileira. Sofremos, nós pesquisadoras e pesquisadores, com este cenário. Sofremos pela nossa pesquisa, visto que nesse mesmo formulário 62% das pessoas responderam que sem o orçamento da universidade recomposto, terão suas pesquisas prejudicadas. Sofremos também em termos materiais, pela insegurança com nossas bolsas e por nossa permanência. E em termos políticos, porque a universidade, nosso local de trabalho e de estudo, é chamada a responder não às demandas sociais, de quem nos financia (trabalhadores e trabalhadoras), mas é estrangulada por um mercado e um governo autoritários que, na realidade que é complexa, nos empurra a dois lugares em evidência: i) ao abismo, que é a perda de nossos direitos mínimos enquanto pesquisadorxs e de nossas universidades públicas socialmente referenciadas ou ii) à luta, para que nos apropriemos de nossa história, com resistência aos cortes e na reivindicação do projeto de universidade que queremos, pública, dialógica e popular, por meio de nossa agência política e, neste cenário, por meio da construção da greve na UFSC e nacionalmente.
Entendemos que após os cortes e as privatizações de sucessivos governos, as universidades encontram no governo Bolsonaro a expressão final desses ataques ao ensino superior público. A UFSC está ameaçada não concluir o semestre, com os cortes orçamentários que impõe o ultimato à nossa universidade em outubro.
Com os cortes no orçamento, o Future-se nos é empurrado goela abaixo por Bolsonaro, como se fosse uma alternativa. A Assembleia Geral da Pós-Graduação, realizada no dia 8 de Agosto, deliberou contra tal projeto, que visa tornar as universidades públicas verdadeiras subsidiárias das Organizações Sociais. Essa posição contrária foi reforçada pela reunião aberta do Conselho Universitário – uma exigência massivamente cobrada pelo movimento estudantil que se fez presente no espaço, no dia 02 de setembro.
Acuados pela pressão estudantil, os reitores, na figura da ANDIFES, já articulam um projeto de universidade para fazer a mediação entre governo e movimento estudantil. Cabe aos estudantes e, enquanto categoria diretamente atingida por essa conjuntura, aos estudantes de pós-graduação, a negação de qualquer proposta que pretenda suavizar o Future-se e, não se limitando a isso, é nossa responsabilidade a apresentação de uma proposta própria, a reivindicação de um modelo de universidade que seja integralmente atrelada às necessidades da classe trabalhadora brasileira, uma universidade popular, que se construa responsiva e comunicadora, orientada em solucionar os mais graves dramas sociais de nosso país. Chegou o momento de colocar em questão as razões pelos nossos laboratórios capengas, nossa falta de materiais para atividades pedagógicas, nossas revistas científicas e seu sistema de avaliação que não priorizam a reflexão, mas o produtivismo acadêmico que nos adoece e, nesse cenário, o desemprego que nos aflige cotidianamente.
Enquanto estudantes-trabalhadores, na qualidade de pesquisadores de instituições públicas, temos a tarefa de somar forças com os estudantes de graduação, técnico-administrativos e docentes, na construção de uma greve da educação, cuja proporção nacional seja o horizonte. Que construamos uma greve da educação pela recomposição imediata dos orçamentos, pela rejeição integral do Future-se e pela construção de um novo modelo de universidade, popular, público e de qualidade!!!
APG UFSC
11 de setembro de 2019.