Pode ser bolsista e grevista?
Na segunda-feira, 2 de setembro, ocorreu a Assembleia Geral, convocada pelo Conselho Universitário (CUn), que reuniu estudantes, técnicos-administrativos e docentes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Auditório Garapuvu no Centro de Cultura e Eventos Reitor Luiz Carlos Cancelier de Olivo.
A assembleia, que durou mais de três horas, além de rejeitar, por unanimidade, o Programa Future-se e outras deliberações, também aprovou o estado de greve e rejeitou a possibilidade de ocupação dos prédios da UFSC neste momento. Aprovado o estado de greve, o encaminhamento a ser realizado é a reunião das categorias nos dias seguintes para decidir os próximos passos.
Nesse sentido, a Associação dos Pós-Graduandos da UFSC chamou uma reunião para deliberar sobre os eventos ocorridos na semana, especialmente o estado de greve.
A APG, assim, fez uma reunião no dia 4 de setembro às 12 hs na sede para discutir as ações da Associação nesse estado de greve. Muitas pós-graduandas e pós-graduandos estiveram presentes, cerca de 32 pessoas, incluindo representantes discentes dos mais variados PPG’s. Foi deliberado por fazer uma reunião na segunda-feira dia 9 de setembro, às 12h, para discutir nosso posicionamento sobre a suspensão do vestibular, a suspensão de editais de ingresso nos PPGs bem como mudanças e adiamentos de prazos. A suspensão do vestibular foi aprovada na Assembléia Geral do dia 2 de setembro e estará na pauta da reunião do CUn no dia 10 de setembro, terça-feira. Foi marcada também uma Assembléia da Pós-Graduação no dia 11 de setembro, quarta-feira, às 13 hs. Estipulamos dois grupos de trabalho, um para organização da assembléia e outro para organizar a greve.
Enquanto APG, debate-se, dentro do GT da Greve, junto com representantes discentes dos PPGs como se dará esse processo de uma greve na pós-graduação e o que isso significa. Sabemos que a realidade das pós-graduandas (os) e de suas pesquisas é a mais diversa. Muitos projetos com experimentos não podem ser suspendidos de uma hora para outra sem um alto prejuízo. Ou seja, não pretendemos suspender muitas de nossas pesquisas, porém essa greve não significa ficarmos parados. Gostaríamos de discutir propostas de ações a serem realizadas durante a greve, como workshops, seminários e atividades culturais. Precisamos deliberar como suspender as disciplinas da pós-graduação, articulando essas decisões com o corpo docente. Bem como debater o que será feito com os prazos que fazem parte da nossa realidade, para defesas e qualificações, por exemplo. Nesse sentido, precisamos juntos nos organizar para lidar com todas estas questões da melhor forma possível para a comunidade da pós-graduação. Porém, ao mesmo tempo, fazer um movimento de protesto contra as ações nefastas do governo contra a educação. Passamos por um momento muito sério de crise e desmonte do sistema de educação das Instituições Federais e da Pesquisa Científica no país. Este também é um momento rico para discussão e construção de uma Universidade mais inclusiva, socialmente referenciada, justa e pública. Que possamos através deste processo construir a realidade que queremos para nós e para os futuros estudantes.
Nesse sentido, nem o estado de greve, tampouco a greve em si representam interrupção das pesquisas, com as quais os pós-graduandos e pós-graduandas estão comprometidas em seus projetos de vida, de carreira, com a instituição de ensino, docentes orientadores e, também, com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
Em um contexto em que (a) o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico suspendeu a concessão de novas bolsas e que, (b) nessa semana, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) anuncia a suspensão de 5.613 bolsas de estudo a partir de setembro/2019 (sendo o terceiro corte, em que a CAPES deixa de oferecer 11 mil bolsas e em que novos pesquisadores não serão aceitos em 2019), a orientação da APG é de declarar a importância das pesquisas realizadas na instituição, mantendo-as, em respeito aos próprios e às próprias pesquisadoras, aos docentes, à instituição de ensino, à CAPES e à comunidade, que aguarda o resultado de nosso trabalho.
É fundamental que se faça tal destaque, considerando a obrigação que os pesquisadores e as pesquisadoras bolsistas CAPES assumiram, honradamente, ao assinar, na assunção da bolsa, o Termo de Compromisso referente ao Programa de Demanda Social – DS, anexo à Portaria no 76, de 14 de abril de 2010.
Nesse Termo de Compromisso e no documento legal em referência, estabelece-se que (a) não conclusão do curso acarretará a obrigação de restituir os valores despendidos com a bolsa, salvo se motivada por caso fortuito, força maior, circunstância alheia à sua vontade ou doença grave devidamente comprovada (art. 13, parágrafo único, do Anexo) e que (b) a bolsa poderá ser cancelada a qualquer tempo por infringência à disposição deste Regulamento, ficando o bolsista obrigado a ressarcir o investimento feito indevidamente em seu favor, de acordo com a legislação federal vigente, e impossibilitado de receber benefícios por parte da CAPES pelo período de cinco anos, contados do conhecimento do fato, sem prejuízo das demais sanções administrativas, cíveis e penais (art. 14, parágrafo único, do Anexo).
Diante disso, o estado de greve e a greve atuam no sentido de comprometimento dos pós-graduandos e das pós-graduandas a concluírem os seus cursos.
O cenário brasileiro se delineia com discursos governamentais em desapreço pela ciência, com negativa de fatos evidenciados por técnicas e técnicos de alto gabarito, como no caso dos dados sobre desmatamento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Além disso, há retrocessos nos direitos sociais (trabalhistas e previdenciários, por exemplo), nas políticas de reconhecimento da diversidade de gênero e sexualidade, que têm nas universidades um campo de pesquisa em ascensão. Há intervenções políticas diretas, como no caso da proibição da propaganda do Banco do Brasil e do controle da Ancine. Há divulgação para a sociedade dados que não condizem com a realidade, desprezando a ciência produzida nas universidades públicas, como na afirmação do Presidente da República de que essas instituições seriam improdutivas no que tange à pesquisa e inovação. Além disso, são impostos cortes profundos na receita das universidades, impedindo o seu funcionamento em alguns casos, e, em outros, reduzindo suas atividades. No caso direto referente à APG, há nefastos cortes nas bolsas de pesquisa em todos os níveis, impedindo que seja dado seguimento aos importantes estudos realizados nas universidades públicas. No discurso governamental, ainda, há desprezo por áreas inteiras do conhecimento que promovem a reflexão sobre ele, ameaçando fechar cursos de filosofia e sociologia. Em tal panorama, ainda há o Projeto de Lei chamado “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – FUTURE-SE”, que representa desprezo às ciências sociais e às humanidades e concentração única por uma educação subserviente ao mercado privado. É certo que o contexto é de riscos concretos à sobrevivência das universidades e institutos federais públicas, gratuitas e de qualidade.
Esse cenário enquadra-se, juridicamente, em um conjunto de eventos caracterizados como caso fortuito ou força maior. Alguns autores especificam que caso fortuito é o evento de ato humano, que é imprevisível e inevitável. E força maior, por sua vez, é um evento decorrente das forças da natureza, que pode ser previsível ou imprevisível, porém inevitável, como o é a tempestade.
Independentemente da definição utilizada, o contexto nos traz o panorama da precarização das universidades públicas e a movimentação das pessoas atingidas, que estão, igualmente, passando por período de vulnerabilização econômica, política e social, que se enquadra como um conglomerado de eventos imprevisíveis, a partir da política governamental e da política universitária, ao qual os pesquisadores e pesquisadores são submetidos e são fragilizados. Esse é, então, o que se compreende como caso fortuito.
Por conta disso, por mais que possa ser compreendido que os encaminhamentos políticos da UFSC sejam lidos equivocadamente como interrupção dos estudos, o cenário, consubstanciado como de caso fortuito, é excepcionalidade que resguarda os pós-graduandos e pós-graduandas para a continuidade da percepção das bolsas e, consequentemente, de seus estudos. Afinal de contas, esse é o nosso objetivo.
Associação dos Pós-Graduandos da UFSC
09 de setembro de 2019.