Senhora presidente e demais membros da Câmara de Pós-Graduação,
Relatório
Trata-se de parecer de vistas sobre a proposta de alteração da Resolução Normativa Nº 015/CUN/2011 sobre pós-graduação lato sensu, redigida pelo grupo de trabalho designado pela Portaria Nº 06/PROPG/2018, composto por Juarez Vieira do Nascimento (PROPG/UFSC), Marilda Bonini Vargas (PROPG/UFSC), Giorgio de Jesus da Paixão (PROPG/UFSC), Patrícia Faria di Pietro (CCS/UFSC), Gertrudes Aparecida Dandolini (CTC/UFSC), conforme justificativa de necessidade de adequação dos marcos regulatórios da UFSC à Resolução Nº 01/CNE/CES/2018 e demais pontos já apresentados no parecer inicial, assinado por Patricia Peterle (CCE/UFSC).
O processo é composto pelos documentos já apontados no parecer inicial, mais o próprio parecer – todos de conhecimento das senhoras e senhores conselheiros membros desta Câmara -, que conclui de maneira favorável pela aprovação da proposta de alteração da Resolução Normativa Nº 015/CUN/2011, na integralidade da redação e dos pontos propostos.
Este é o relatório, passo a opinar.
Fundamentação
Ponto de discordância do parecer inicial
Os artigos 6º, 10°, 11º e 12° da proposta de alteração da Resolução Normativa Nº 015/CUN/2011 estão atualmente dispostos da seguinte maneira:
Art. 6º. Nos cursos pagos pelos estudantes será assegurada a gratuidade para dois servidores da UFSC que possuam os requisitos de formação exigidos e sejam aprovados e classificados no respectivo processo seletivo.
[…]
Art. 10º. […]
VII – número de vagas (incluindo as gratuitas para a UFSC, caso o curso não seja
gratuito; e o número mínimo de alunos previstos para viabilizar o curso, quando este
for financiado ou pago;
Art. 11. Tendo em vista as características e objetivos de cada curso, poderão ser cobradas taxas (seleção ou inscrição), recolhidas à conta única da UFSC (Parecer n.º 0364/2002 CES/CNE) e mensalidades.
- 1º. Os recursos serão utilizados para pagamentos de taxas institucionais e gastos relativos ao funcionamento do curso (aquisição de materiais permanente ou de consumo, remuneração de recursos humanos, bolsas, serviços de terceiros, pagamento de taxas de gerenciamento às fundações e outros).
- 2º. Não poderão ser pagas bolsas para servidores públicos federais com recursos cujas fontes financiadoras sejam empresas ou entidades com personalidade jurídica de direito privado, mesmo que gratuitos aos estudantes, nos termos da Resolução Normativa 063/CUN/2015 ou de outra que vier a sucedê–la.
Art. 12. Nos convênios, contratos e instrumentos correlatos celebrados com entidades públicas ou privadas, assim como nos projetos financiados na forma de descentralização de recursos por entes governamentais para financiamento de ações de especialização, incidirão valores relativos ao ressarcimento institucional da Universidade pelo uso do capital intelectual, do nome e da imagem da instituição, bem como dos serviços e das instalações, conforme o ACÓRDÃO Nº 2731/2008 – TCU – Plenário, o Art. 6º da Lei nº 8.958/1994, o Inciso V do Art. 1º–A da Portaria MEC/MCT 475/2008 e demais legislações pertinentes.
Parágrafo Único. Como ressarcimento institucional especificado no caput, serão recolhidos os seguintes valores:
I – 2% para a Unidade de Ensino de origem do processo;
II – 2% para o Departamento de origem do processo;
III – 5% ao Fundo de Apoio a Pós–Graduação da PROPG;
IV – 0,5% para incrementar Ações de Cultura gerenciadas pela Secretaria de Cultura e Arte (SECART);
V – 0,5% para incrementar Programas de Permanência de Estudantes de pós-graduação Stricto Sensu gerenciados pela PROPG.
Alterações propostas:
Art. 6º – Remoção
[…]
Art. 10º. […]
VII – Remoção.
Art. 11º. Não serão realizadas cobrança de taxa de seleção, inscrição, matrícula, mensalidade ou qualquer outra modalidade de cobrança, independentemente da natureza ou finalidade do curso.
- 1º – Serão garantidas 20% das vagas nos cursos propostos para política de ações afirmativas, que deverão contemplar os seguintes grupos: pretos, pardos, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, travestis e transexuais.
- 2º – Serão asseguradas vagas para dois servidores da UFSC, que possuam os requisitos de formação exigidos e sejam aprovados e classificados no respectivo processo seletivo.
Art. 12. Nos convênios, contratos e instrumentos correlatos celebrados com entidades públicas ou privadas, assim como nos projetos financiados na forma de descentralização de recursos por entes governamentais para financiamento de ações de especialização, incidirão valores relativos ao ressarcimento institucional da Universidade pelo uso do capital intelectual, do nome e da imagem da instituição, bem como dos serviços e das instalações, conforme o ACÓRDÃO Nº 2731/2008 – TCU – Plenário, o Art. 6º da Lei nº 8.958/1994, o Inciso V do Art. 1º–A da Portaria MEC/MCT 475/2008 e demais legislações pertinentes.
Parágrafo Único. Como ressarcimento institucional especificado no caput, serão recolhidos os seguintes valores:
I – 2% para a Unidade de Ensino de origem do processo;
II – 2% para o Departamento de origem do processo;
III – 5% ao Fundo de Apoio a Pós–Graduação da PROPG;
IV – 1% para incrementar Ações de Cultura gerenciadas pela Secretaria de Cultura e Arte (SECART);
V – 5% para incrementar Programas de Permanência de Estudantes de pós-graduação Stricto Sensu gerenciados pela PROPG.
Justificativa:
Iniciamos chamando atenção para o ponto central de discordância deste parecer com relação ao parecer inicial, qual seja, embora o Supremo Tribunal Federal tenha julgado legal a cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação lato sensu, sua decisão não corresponde a uma obrigatoriedade, de modo que a UFSC possui autonomia para, se assim compreender, proibir a prática, como em nosso entendimento deve ser feito. Nossos argumentos são tanto principiológicos quanto pragmáticos.
O histórico de cobranças de mensalidade em cursos de especialização, no âmbito da UFSC, não legitima a adoção de tal medida. Uma suposta justificativa para a cobrança de mensalidades ou taxas, o objetivo de angariar recursos para a universidade, coaduna com a política de austeridade implementada pelos últimos governos federais, cujo objetivo, em última instância, é o fim da educação pública e, ao que nos tange, do ensino superior público. Dão-se assim fatos novos que demandam a rediscussão da matéria: uma política de austeridade constatada mediante a redução de 43% do orçamento destinada à CAPES entre 2015 e 2018; de 81% no caso da CNPQ (de 2014 a 2017); e de 80% no caso da UFSC (desde 2016).
Ora, este é justamente o momento em que culmina a asfixia dos últimos anos do financiamento público na educação de nível superior e na produção científica brasileira. O caráter público deste financiamento é indissociável de sua qualidade, independência e relevância para o desenvolvimento do povo brasileiro. Cabe à comunidade acadêmica romper com o imobilismo e a inércia política para fazer pressão contra a austeridade decretada sobre a ciência brasileira, em busca da luta pela manutenção da gratuidade de um ensino superior já acintosamente excludente.
À universidade pública, em geral, e à UFSC, em particular, não cabe a cobrança de mensalidades, mas sim o oferecimento de atividades de ensino orientado para a resolução dos dramas sociais da realidade brasileira e para o desenvolvimento local e nacional com base na gratuidade de acesso. Por isso, a proposta de regulamentação da lato sensu, com aceitação da possibilidade de cobranças, apenas reforça a lógica da política de austeridade imposta à ciência brasileira, assim como “joga águas no moinho” da já intensa privatização do ensino superior no Brasil.
É preciso que todas e todos tenham oportunidade de receber uma formação de excelência, especialmente pessoas da classe trabalhadora que não poderiam buscá-la com recursos próprios em universidades privadas. Universidade pública e gratuita não é caridade, sendo obrigação do Estado promover a gratuidade e qualidade do ensino com recursos públicos, redistribuindo capital social e intelectual de forma a mitigar desigualdades. Assim, a UFSC possui autonomia para oferecer todo curso que possua relevância social, acadêmica e rigor técnico-científico, inclusive de pós-graduação lato sensu – porém, frisamos, somente com total gratuidade.
Não é cabível pensar que poucos cursos pagos, como os que estão sendo propostos, serão capazes de suprir as centenas de milhares de reais necessários para a o ensino e pesquisa de qualidade. Se o debate sobre o financiamento for adiado, a universidade ficará cada vez mais dependente do financiamento privado, sempre no caminho da privatização e da substituição do papel do Estado no financiamento da educação e da ciência, substituição esta que possui profundos desdobramentos quanto à forma, ao conteúdo e à qualidade da educação e das pesquisas no país.
Vale ressaltar que o acórdão da decisão do STF deixa evidente que, para muitos ministros da Corte, esse é o primeiro passo para a abertura geral da privatização do ensino público. Essa é apenas a “primeira porta”, e em breve estaremos aqui discutindo o primeiro curso stricto sensu pago, ou a Câmara de Graduação discutirá o primeiro curso de graduação pago.
Ademais, em seu próprio voto, o relator, Min. Luiz Edson Fachin, escreveu:
É preciso observar, porém, que […] os cursos de pós-graduação que se destinam à manutenção e desenvolvimento do ensino […] são financiados pelo poder público. Novamente é a Lei [nº 9.394/96], em seus arts. 70 e 71, que fixa as regras para contabilizar essas despesas:
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:
I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
II – aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
(RE 597854, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-214 DIVULG 20-09-2017 PUBLIC 21-09-2017) (ênfases adicionadas)
Em outras palavras, as despesas que são consideradas como “de manutenção e desenvolvimento do ensino” devem ser financiadas exclusivamente pelo poder público, e estas incluem a remuneração do pessoal docente, a aquisição e a manutenção de equipamentos, e o uso e a manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino. Portanto, muito embora Fachin tenha considerado que a cobrança pode ser executada, ele mesmo se contradiz, abrindo brechas substanciais para a judicialização de quaisquer cursos oferecidos que venham a utilizar os recursos obtidos, a partir de mensalidades, para pagar professores, adquirir materiais para a universidade, ou utilizar seus espaços físicos. Esta é, repito, a leitura que faz o próprio relator da decisão do STF.
Cabe ressaltar também que os membros da câmara de pós-graduação são representantes da comunidade universitária, de modo que lhes cabe ouvi-la. A comunidade está, em números cada vez maiores, dizendo não à cobrança. O abaixo-assinado promovido pela APG, à título de consulta sobre o tema à nossa base, levantou em poucos dias assinaturas de mais de 1000 membros da comunidade universitária.
Quanto aos demais pontos propostos, consideramos necessário adequar a regulamentação da pós-graduação lato sensu às legislações e demais disposições federais acerca de ações afirmativas, bem como direcionar mais recursos dos cursos de pós-graduação financiados por outras entidades públicas ou privadas (porém sem cobrança de mensalidades de estudantes) para investimentos em permanência estudantil e ações de cultura na universidade.
Conclusão
Assim, temos que:
- A cobrança de mensalidades em cursos de pós-graduação desta universidade fere o princípio básico de uma universidade pública e gratuita. Se isto for mantido na normativa que está em discussão, a universidade deixará de ser 100% pública, se tornando híbrida, pública e privada ao mesmo tempo, visto adotar a lógica privada em setor importante de sua estrutura.
- Essa privatização incipiente da universidade é injusta no momento em que obstaculiza o acesso universal, sem levar em conta os menos favorecidos, inviabilizando, por mérito, o acesso daqueles que não podem arcar com os custos.
- Assim, não importa que quaisquer empresas ou iniciativas privadas sejam visadas como público-alvo, pois pessoas, por exemplo, atualmente desempregadas, ou que não possuem as condições financeiras para pagar pelo curso, podem querer também especializar-se para conseguir uma colocação, ou colocação melhor, no mercado de trabalho, e se a universidade pública oferece um curso com essa intenção, que ele seja portanto aberto a todos os elegíveis, sem barreiras artificiais que garantem que somente aqueles que têm condições de pagar possam participar destes cursos.
- Se estes cursos são colocados como uma forma de financiamento da universidade frente a um alarmante quadro de austeridade imposta à ciência brasileira,
- é falacioso o argumento de que nem todos incluirão a cobrança de mensalidades, posto que, uma vez aberta esta possibilidade, a universidade poderá decidir por redirecionar os recursos para outras atividades, uma vez que estes cursos podem ser cobrados, e portanto os departamentos serão inevitavelmente orientados ou levados a fazê-lo;
- porém, ainda assim, isso não compensará de qualquer forma substancial o orçamento universitário.
- A própria sentença do STF ainda coloca a cobrança de cursos de especialização como um caso de exceção dentro do enquadramento constitucional acerca do financiamento das atividades universitárias e, segundo o entendimento do próprio relator, muitos cursos que serão propostos a partir destas normas poderão ser judicialmente questionados por envolver, de formas diretas ou indiretas, o financiamento de despesas que deveriam ser exclusivamente realizadas pelo poder público.
Pelas razões apresentadas, ponderamos pela aprovação da proposta de alteração desde que atenda às recomendações de alterações expostas neste documento.
É o parecer.
Florianópolis, 24 de abril de 2019.
APG/UFSC