Nota das estudantes do Programa de Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da UFSC sobre o programa “Future-se”

05/09/2019 13:04

A APG divulga o posicionamento das estudantes do Programa de Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) da UFSC sobre o programa Future-se, analisado ponto a ponto na nota abaixo.

POSICIONAMENTO ESTUDANTIL DO PPGECT (UFSC) SOBRE O PROGRAMA FUTURE-SE

Não é possível interpretar o Programa Future-se de forma desarticulada a outras medidas realizadas nos últimos anos e que afetam a Educação, de modo geral, e o Ensino Superior, de modo mais específico. Entre elas, ressaltamos a Emenda Constitucional no 95 (https://cutt.ly/3wnwVBX), que asfixia o investimento nos serviços públicos através do estabelecimento de um teto constitucional. Desde sua aprovação, percebemos a crescente precarização do trabalho nas Intituições de Federais de Ensino Superior (IFES) públicas, seja com a falta de professores e a contratação de profissionais em caráter temporário e não de quadro efetivo (vide a lei no 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal: https://cutt.ly/7wnwNyV), ou com a crescente terceirização de trabalhadores das chamadas “atividades-meio”, como limpeza, segurança, cozinha, jardinagem, etc; e principalmente o conjunto de cortes e contingenciamento de verbas realizados pelo Governo Federal desde 2015, incluindo o brutal contingenciamento de 2019 (moção do CUN-UFSC sobre cortes em orçamento: https://cutt.ly/GwnwM9y). Ainda, é importante destacar a pesquisa feita por Seki (2014) (https://cutt.ly/Vwnw0Vx) em que constata-se, empiricamente, o aumento de parcerias público-privadas nas IFES do país nos últimos anos, além de ter ocorrido recentemente a aprovação de uma série de leis (por exemplo, Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998 – https://cutt.ly/Iwnw9ni, que possibilita a criação de Organizações Sociais, e Lei no 12.550, de 15 de dezembro de 2011 – https://cutt.ly/cwnw3kM, que autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH), que tem direto impacto na manutenção das atividades de ensino, pesquisa e extensão das IFES no Brasil.

No dia 30 de abril de 2019, o MEC anunciou o bloqueio de 30% na verba discricionária para todas as universidades e institutos federais de nosso país (reportagem do TJ UFSC sobre corte de verbas: https://cutt.ly/ywnw8D0). Houve grande resposta, por parte da população universitária, e diante desse anúncio manifestações foram realizadas. Contudo, o bloqueio ainda não foi revertido. Diante disso, a UFSC, recentemente, anunciou que fez uma economia de 800 mil reais por mês a partir da renegociação de contratos e demissão de funcionários terceirizados da Instituição. Cerca de 95 trabalhadoras(es) terceirizadas(os) foram demitidos, os quais realizavam inúmeros serviços, dentre eles, os de limpeza, jardinagem, vigilância, entre outros. As consequências desse ato já são sentidas pelos membros da comunidade universitária, que veem a frequência de limpeza dos espaços comuns diminuir e a vigilância ficar defasada – o que já resultou em um aumento da ocorrência de roubo, prejudicando a realização de aulas noturnas em determinados locais do campus. Mesmo diante da “economia” feita pela UFSC, essa está longe de chegar aos 43 milhões de reais bloqueados da instituição, o que poderá impossibilitar o funcionamento da UFSC a partir de setembro deste ano. É frente a esse cenário de crise que o Programa Future-se coloca-se como uma alternativa para solução dos problemas do setor. Contudo, ele apenas aprofunda os problemas colocados e que sentimos até então. A partir de um debate realizado entre estudantes do PPGECT/UFSC, apontamos alguns pontos sobre o Programa, os quais julgamos centrais para a apreciação crítica do projeto Future-se:

– O Future-se é inconstitucional? Desde a sua aprovação, a Constituição de 1988 vem sofrendo uma série de emendas. O Future-se é uma proposta de reforma universitária que afeta 16 leis atualmente vigentes, além de alterar o preceito constitucional de autonomia de gestão financeira das IFES, ao propor que essas instituições tenham apenas “autonomia financeira”.

– Iniciativas privatistas já existem nas IFES há algum tempo. Na UFSC, por exemplo, nos últimos tempos, vem-se buscando aprovar cobrança em Programas de Pós-graduação lato sensu e parcerias com empresas privadas em certas áreas. Além disso, há a prioridade do Governo Federal em financiar a educação superior privada há mais de uma década, conforme podemos observar nos resultados da pesquisa de Seki (2014), o que gera endividamento estudantil e suprime recursos para as instituições públicas. A partir do Future-se, chancelam-se todas essas ações como política pública.

– Falso diálogo! Embora tenha ocorrido um período de consulta pública, essa teve um tempo totalmente insuficiente para debate junto à comunidade de cada localidade brasileira. Além disso, a consulta realizada é principalmente de caráter textual. Não houve diálogo com as IFES quanto ao teor da proposta no momento de elaboração do projeto e tampouco no período de consulta.

– Com a gestão das IFES via Organizações Sociais – OS (conforme o proposto no Art. 4o do PL), essas instituições estarão sujeitas às decisões e ações definidas pelas próprias OS, no sentido de haver a perda da autonomia universitária em termos de financiamento, gestão e questões de cunho pedagógico. Sobre este último ponto, cabe destacar a perda da liberdade e autonomia docente, pois as OS poderão interferir diretamente na execução dos planos de ensino e projetos pedagógicos dos cursos.

– O Future-se descaracteriza o regime de Dedicação Exclusiva das IFES (conforme o proposto no Art. 18 do PL) e estabelece o notório saber (conforme o proposto no Art. 29 do PL) na carreira docente, criando condições para que docentes possam ser agentes em busca de lucros e benefícios pessoais, uma vez que busca-se que o professor seja um empreendedor.

– Atualmente, há pouquíssimo espaço para representação de estudantes e servidores técnico-administrativos, e praticamente nenhum espaço para a comunidade externa nas esferas deliberativas na IFES. Se aprovado, o Future-se irá provocar um sufocamento ainda maior da participação democrática, uma vez que o modelo de gestão via OS não pressupõe a participação da comunidade acadêmica em processos de decisão.

– Não há menção no PL sobre a assistência estudantil, ou seja, há um indício forte de que políticas relacionadas a esta demanda não serão mais realizadas.

– A gestão por OS permite o fim do Regime Jurídico Único na carreira federal, realizando contratações de futuros professores e servidores via OS, com regime CLT e sem a necessidade de concursos. Ressalta-se que a qualidade do ensino oferecido pelas IFES é influenciado pelo quadro permanente de docentes e demais servidores, o que garante planejamento de ações de longo prazo e o envolvimento dos mesmos em atividades integradas de ensino, pesquisa e extensão.

– Atualmente, as mulheres são responsáveis por mais da metade das defesas de teses de doutorado todos os anos e representam também perto da metade do professorado da educação superior pública, conforme apontado por Moschkovich (2012). Com o Future-se, passaríamos para um agravamento da desigualdade de gênero já presente na carreira acadêmica diante da reprodução da lógica de mercado capitalista no contexto acadêmico.

– Fundo patrimonial e fundo de investimento: não é a mesma coisa! Governo cita um, mas na verdade propõe o outro. Enquanto o fundo patrimonial tem relação com a cessão de imóveis e/ou terrenos, o fundo de investimento propõe a aplicação dos recursos financeiros das IFES no mercado financeiro. Pelo programa, a gestão de riscos deste tipo de aplicação fica a cargo das OS, de modo que abre-se a possibilidade de venda de parte do patrimônio público para compensar eventuais prejuízos. É importante ressaltar que a IFES ficam excluídas de qualquer participação na gestão dos fundos, uma vez que é apenas o Conselho-gestor da OS que possuirá tal autonomia.

– A pesquisa a ser realizada nas IFES será pautada pelo mercado e pelo interesse de instituições privadas, o que afeta a autonomia da instituição na definição das áreas e linhas de pesquisa a serem seguidas (conforme o proposto, sobretudo, no Art. 17o do PL). Nesse sentido, haverá uma secundarização do ensino e extensão e provável pouco investimento em pesquisas de base e/ou relacionadas à área das humanidades.

– Atualmente, as universidades públicas produzem cerca de 94% da pesquisa de nosso país, entretanto muita das patentes que produzimos, via de regra, ficam na mão de empresas privadas a partir de parcerias. O Future-se agravaria esta condição.

– Os Hospitais Universitários passam a receber brecha para entrada por porta dupla, na qual leitos podem ficar restritos a convênios privados, tirando espaço do SUS, alterando o Art. 42 da Lei no 12.550 de 15 de dezembro de 2011. A EBSERH já tem priorizado procedimentos mais baratos e reduzido as internações de médio-longo prazo, sucateando o atendimento de saúde para melhorar indicadores “de gestão”, além de precarizar o Serviço de Atendimento à Saúde da Comunidade Universitária-SASC e de não prestar atendimento de emergência.

– A proposta de internacionalização colocada parece ser via EaD, conforme o proposto no Art. 20 e 21 do PL, ao facilitar a acreditação de disciplinas cursadas em plataformas tecnológicas ofertadas por instituições do exterior. Além disso, a partir da Gestão do nome da “marca universidade federal”, as OS poderão oferecer cursos, podendo cobrar por seus serviços. Outra grande modificação é a de facilitação de reconhecimento de diplomas estrangeiros em instituições de ensino público ou privadas, hoje isso ocorre apenas via instituições públicas.

– Quem se beneficia com o Future-se? É o mercado financeiro especulativo apenas. A maioria da população brasileira será duramente impactada com a eventual aprovação do PL.

O Future-se foi feito sem diálogo com as IFES e promove uma grande mudança de modelo, natureza e finalidade dessas instituições. O MEC já sinaliza que as IFES terão que buscar seu próprio financiamento, o que desrespeita princípios constitucionais. Financiamento e gestão da universidade precisam, necessariamente, ser públicos! São muitas e muitos de nós, atuais pós- graduandas(os), que serão afetados pela destruição da carreira nas instituições federais! Nossa posição é contrária ao Programa Future-se!

Discentes do PPGECT
Agosto de 2019