Nota sobre a cerimônia de comemoração dos 50 anos de pós-graduação da UFSC
Na noite de 8 de abril de 2019 ocorreu a cerimônia de abertura das comemorações dos 50 anos da pós-graduação na UFSC.
A Associação de Pós-graduandos da UFSC havia sido convidada para compor a mesa. Apesar da nossa presença, não nos foi permitido um espaço de fala. Lamentamos falhas de comunicação que tenham levado a uma desorganização do evento em relação a isso, mas sentimos que este episódio reflete uma atitude frequente na universidade em relação a estudantes. Nosso curto discurso não foi considerado pela administração importante o suficiente para uma pequena adequação da programação, que contou com duas apresentações musicais e encerrou-se às 20:30.
Como destacamos no discurso, estudantes de pós-graduação são essenciais para a produção científica hoje no Brasil. No entanto, sofremos com problemas que são apagados dos grandes discursos sobre a pós-graduação da UFSC. Nossa presença é crítica, e atrapalha o tom festivo, por exemplo, da representante da CAPES, que não abordou os cortes na educação e na ciência (nem os de ontem nem os do amanhã). Se a pós na UFSC tem 50 anos, é porque há 50 anos estudantes de pós dedicam suas vidas para a pesquisa, constituindo um dos principais pilares de sustentação da pós-graduação. Independentemente desse papel essencial, a importância dos alunos e alunas sequer foi mencionada, sendo apenas, em um momento, reconhecida a presença da representação estudantil no evento, porém sem abrir espaço para nosso posicionamento.
Ainda ousamos sonhar com uma pós-graduação melhor. Abaixo, reproduzimos o discurso que teríamos feito.
Boa noite a todas e todos presentes.
[…] falo aqui nesta noite em nome da Associação de Pós-Graduandos da UFSC, fundada em 1986, nos idos da ditadura militar e firme até hoje na defesa das pós-graduandas e dos pós-graduandos desta universidade.
Nestes 50 anos que comemoramos hoje, a UFSC fez e faz muitas pesquisas de grande relevância, e estudantes de pós-graduação trabalharam duro para levá-las à fruição.
A CAPES nos informa que estudantes de pós-graduação estão presentes em 90% das pesquisas realizadas no país.
É em reconhecimento à importância do labor de pós-graduandas e pós-graduandos que nesta noite não falaremos só dos caminhos já percorridos, mas também dos que ainda não trilhamos.
Isso porque para quem está empenhada em batalhar por um mundo mais justo, as comemorações se misturam aos sonhos e aos planos. Só podemos celebrar o passado se entendermos que o futuro está em aberto. E nos cabe fazer o que é preciso.
Parte do trabalho é nosso, de cultivar uma cultura política de encontro e solidariedade de categoria entre estudantes de pós-graduação. Hoje nos vemos atomizadas em laboratórios, núcleos e trajetórias individuais. Para a APG, não importa quantas somos: sozinhas não somos nada.
Essa situação não existe por acaso. É resultado de condições materiais que prejudicam as nossas relações.
No Brasil e no mundo sofremos um quadro preocupante de saúde mental. Recentemente tivemos uma boa acolhida da vice-reitora, Alacoque Lorenzini Erdmann, quanto a essas questões.
Nossas propostas para lidar com isso vão além do senso comum. Não precisamos somente de mais assistência psicológica se adoecermos. Há que entender as raízes desse adoecimento, ali onde a lógica produtivista da academia intersecciona com a defasagem de 6 anos das nossas bolsas de estudo, com a falta de outros direitos trabalhistas básicos, e com as ameaças de corte de recursos, que estão se tornando anuais!
Como nos sentimos sem saber se nossas bolsas se manterão? É impossível manter-se em Florianópolis ou em outros campi sem a bolsa. É esgotante tentar desenvolver a pesquisa e o trabalho de conclusão, cursar disciplinas, frequentar eventos do programa e publicar artigos junto com fazer bicos para sobreviver. Não há sequer moradia estudantil suficiente para graduandos e graduandas, quanto mais para estudantes de pós-graduação?
Não é de se surpreender que a ansiedade ataque, que a angústia sobrepuje, que o entorpecimento seduza e que a falta de perspectiva se introjete e cause desesperança.
Há docentes tão cansados e cansadas de remar contra os retrocessos de quem não respeita a ciência e a educação no Brasil que aceitam a ideia de cobrar mensalidades nos cursos de pós-graduação lato sensu na universidade.
Para nós, aceitar isso caladas é fazer parte da maré de retrocessos. Não aceitamos os ataques ao caráter público e gratuito da universidade brasileira. Na descabida decisão do STF que permitiu a transformação da universidade em, parafraseando Marco Aurélio Mello, pública em certo aspecto, mas privada em outro, Luiz Fux agradeceu ao relator por ter generosamente aberto “a primeira porta, que era a mais importante”. O relator então responde que a porta da pós-graduação stricto sensu “poderá ser, digamos assim, aberta, com debate aprofundado ou não, aberto ou não, num momento que venha se colocar no futuro”.
Hoje o governo federal nos chantageia, exigindo outra forma de financiar nossas atividades, ou ficaremos sem recursos. Mas quando um chantagista ganha o que quer, não há limites para o que possa fazer a seguir. Estamos mobilizadas contra o enfraquecimento das instituições brasileiras por meio da privatização e perda do seu caráter democrático.
A importância da pós-graduação da UFSC nestes 50 anos é indissociável de seu caráter público e gratuito, ainda que tenhamos caminhado muito pouco na construção de uma pós-graduação popular, com uma maior diversidade de origem socioeconômica e cultural.
Hoje apenas 10% dos programas de pós-graduação da UFSC contam com iniciativas de ações afirmativas, e gostaríamos de saudar a atuação recente da Pró-reitoria de Pós-graduação com vistas a mudar essa realidade, oxalá em breve tenhamos boas notícias para comemorar.
De qualquer modo, é imprescindível termos hoje a coragem de defender a universidade pública contra quem gostaria de distorcê-la, pois pelos próximos 50 anos gostaríamos de vê-la ainda pública e gratuita.
Pública, gratuita, e o que mais? Chegar aos 50 anos com sonhos de mais 50 é para quem tem coragem de não lutar só. Para sonhar com o futuro, precisamos, como Instituição, estar atentas aos desafios sociais, políticos e climáticos que o nosso Planeta enfrenta! Estamos juntos pelos nossos sonhos? Lutaremos para alcançá-los?
É preciso ter ousadia para sonhar, e afirmar o que queremos nas próximas décadas. Queremos uma pós graduação a serviço da classe trabalhadora, das mulheres, do povo negro e pobre, dos quilombolas e dos indígenas e tendo essa diversidade constituindo-a. Com menos do ranqueamento produtivista, que reproduz a lógica mercadológica em um espaço que deveria ser de reflexão crítica. Queremos uma pós graduação mais saudável e acolhedora para estudantes, docentes, técnicos e técnicas, mais propícia para a pesquisa, para a extensão, para uma educação emancipatória. Com mais espaços que celebrem a convivência e a cultura! Com mais democracia, mais cooperação! Que não só tolere a diversidade, mas a celebre!
Isso envolve tanta luta, dentro e fora da universidade, que sozinhas não conseguiremos. Por isso, Agradecemos aquelas e aqueles que, nesta universidade, estão juntas conosco na luta por uma pós-graduação pública, gratuita, de qualidade e popular. A gestão “Pra não lutar só” segue organizada e presente na Universidade Federal de Santa Catarina.
Muito obrigada.