Discurso completo da APG-UFSC no seminário com parlamentares catarinenses sobre a situação dos cortes nas instituições federais de ensino superior
Cumprimentamos a todas e todos aqui presentes,
A Associação de Pós-Graduandos da UFSC, no ano de comemorações dos 50 anos de pós-graduação nesta Universidade, vem marcar posição em defesa da Universidade pública, gratuita, de qualidade e popular em nosso país. Ela está sob ataque de um projeto neoliberal, neocolonial, anticientífico, racista, misógino, lgbtqfóbico representado pelo governo de Jair Bolsonaro.
Os ataques à universidade pública vêm na forma de um contingenciamento de recursos (ou cortes, como afirmado pelo próprio presidente), que ameaça o funcionamento das universidades, da suspensão de bolsas de graduação e pós-graduação, de um decreto para nomeação de reitores biônicos, de insultos e de menosprezo às humanidades e às ciências humanas, e da tentativa ilegal de monitoramento de estudantes e funcionários públicos. Nós, da APG-UFSC, afirmamos nosso total repúdio a essas medidas.
Os protestos que inundaram as ruas no dia 15, junto às mobilizações indígenas do Acampamento Terra Livre em abril, são apenas o começo das respostas aos retrocessos, que incluem a Reforma da Previdência, a Emenda Constitucional 95 e a Reforma Trabalhista.
A chamada “crise na educação” que o governo divulga é uma fabricação de ineptos e mentirosos. As universidades públicas produzem a esmagadora maioria da pesquisa científica no país, tanto de base como aplicada. As ciências humanas são parte fundamental disso, e contribuem para o desenvolvimento de um povo inteligente, que exige a efetivação de seus direitos, que não se deixa enganar, e que não se dobra a quem quer lhes dominar.
É inaceitável que as instituições federais de ensino sejam tratadas da forma como estão sendo. A interrupção de suas atividades pode significar não só a destruição de pesquisas de longo prazo e a interrupção fatal de atividades de mestrado e doutorado, como também mexe profundamente com trajetórias de vida. Pós-graduandos e pós-graduandas, trabalhadores e trabalhadoras braçais da ciência brasileira, vivem sem direitos trabalhistas e sem direitos previdenciários garantidos, muitas vezes longe de redes de proteção familiar com quem poderiam contar caso não contem com uma bolsa por seis anos sem reajuste. O corte no orçamento da Capes põe em risco agora o pagamento dessas bolsas, mas desde o início do ano a CNPq, que já cancelou todos os seus investimentos em pesquisa, avisa que não terá mais dinheiro para pagar bolsas de pós-graduação após agosto. Que uma presidência anti-intelectual não tenha feito nada sobre isso até hoje não surpreende, mas que o congresso nacional, em especial a Câmara dos Deputados, que ostenta o cognome de “casa do povo”, cruze os braços diante da matéria é um escândalo ainda maior.
Além disso, vale lembrar que a mera ameaça de cortes que estamos sofrendo já abala nossa posição nas redes científicas mundo afora. Qual universidade, qual professor ou professora, qual instituição, qual governo estrangeiro vai querer firmar parcerias com universidades brasileiras, sabendo que podemos não ter sequer energia elétrica para funcionar até o final do ano? Há um estrago que em certo sentido já foi feito tanto em nossa imagem para o mundo, quanto na nossa autoimagem. Os reflexos são óbvios em nossa saúde mental, já que temos que aguentar as angústias sobre nosso futuro diante de um Estado que não dá a mínima para a ciência no Brasil e que, pelo contrário, direciona suas ações em políticas públicas para o desmonte da educação. As crianças e os adolescentes de hoje já estão entendendo que a carreira científica não é para eles. Pesquisadoras e pesquisadores, que hoje na pós-graduação seguram no braço a ciência brasileira, veem-se diante de um governo determinado a minar suas condições de subsistência. Essa é a mensagem que o Brasil transmite às futuras gerações com os desmandos do poder executivo e com a inércia do poder legislativo. Esse não é só um projeto de desmonte do sistema federal de ensino. Não é só um ataque ao pensamento crítico brasileiro. Não é só o estabelecimento de uma falsa democracia à moda militar. O projeto levado a efeito por este governo é, acima de tudo, um projeto de futuro no qual não há lugar para um país soberano, no qual devemos retornar a uma exploração colonial do povo e das riquezas do Brasil.
Este povo, inclusive, está cada vez mais aqui dentro das universidades públicas! Ao contrário da cantilena que fala em cobrança de mensalidades, o perfil discente nas universidades públicas mudou muito nos últimos anos, e é composto hoje em sua maioria pelas classes C, D e E, com crescente inclusão da população negra e indígena. Universidades também fazem girar a economia em seu entorno de maneira decisiva, em muitas cidades sendo indispensáveis para seu funcionamento básico, com hospitais universitários, por exemplo, garantindo atendimento para toda a população, e com projetos de extensão de extrema importância. O bloqueio de recursos prejudica também trabalhadores e trabalhadoras terceirizados, que já vivem uma sobrecarga de trabalho precarizado.
O que queremos? Não só que os contingenciamentos sejam desfeitos imediatamente, e que os compromissos da Capes e do CNPq sejam honrados, pois isto é o mínimo da racionalidade esperada de um país sério. Queremos nossa dignidade e nosso trabalho devidamente reconhecidos. O orgulho de quem se desdobra para trabalhar pelo futuro da nação está sendo atacado por um presidente que nos chama de imbecis, idiotas, quando ele, incapaz de fazer jus à dignidade do cargo que ocupa, envergonha o povo brasileiro com sua incompetência, despreparo e, batendo continência para a bandeira dos Estados Unidos, com sua subserviência ridícula diante de interesses que não são os nossos. Nós queremos respeito, e respeito se conquista na luta.
Por isso, nós vamos lutar por uma universidade que acolha cada vez mais a diversidade do povo, incluindo a classe trabalhadora pobre, a população negra, os povos indígenas, quilombolas, a população LGBTQ+ e as pessoas com deficiência. Nós vamos lutar por uma universidade de ponta, de excelência, que aborde em todas as áreas questões candentes para o desenvolvimento do país, e isso inclui as pautas feministas e o debate crítico sobre a colonialidade cultural e econômica do Brasil; por uma Universidade autônoma, que não fique refém de perseguições políticas. Nós vamos lutar pela qualidade de vida dos pesquisadores e das pesquisadoras do país, por seus direitos trabalhistas e previdenciários, pelo reajuste regular e justo das bolsas de pós-graduação, por melhoria nas condições de pesquisa, pela democracia universitária. Nós vamos lutar pelo fim da EC-95, pela revogação da reforma trabalhista, pelo enterro dessa reforma previdenciária absurda.
Recentemente recebemos a notícia de que o Tribunal de Contas da União solicitou que fossem investigados desvios de recursos da UFSC. Isso dois dias após as manifestações do dia 15 de maio, que levaram milhões de pessoas para as ruas de todo o país e que contou com aquela que talvez tenha sido a maior mobilização já realizada em nossa Universidade. Muito embora a investigação ainda esteja em curso, e nós da UFSC sabemos muito bem o que acusações infundadas, usadas como munição por setores perversos e vendidos da mídia, podem fazer com as pessoas, é preciso lembrar que as áreas investigadas são a Educação à Distância, as Fundações de Apoio e a locação de serviços de transporte, meios já bem conhecidos de terceirização da educação e das funções essenciais da Universidade. É sintomático que essa investigação recaia justamente sobre um conjunto de medidas neoliberais, que não se convertem em melhor uso do dinheiro público com vistas à educação e ciência de qualidade, mas sim à precarização e privatização das instituições que, além de tudo, ainda são um prato cheio para o desvio de recursos.
Como resolver essas questões? Como parlamentares catarinenses podem atuar em defesa da educação e da ciência? Há várias medidas. A curto prazo, a aprovação da PLP 8/2019 já seria um bom começo. Mas é preciso ir além, como dissemos, pois há outras questões a serem resolvidas. E se a resolução destas questões exige recursos, então é preciso ter a coragem de ir bater à porta dos verdadeiros privilegiados desta nação, que não pagam o que devem, tanto por serem devedores quanto por sequer terem suas fortunas devidamente taxadas, além, é claro, dos grupos econômicos financeiros internacionais que encontram na miséria do nosso povo motivo para lucro.
As manifestações do dia 15 de maio foram impressionantes, mas foram só o começo. Se os ataques às atividades que garantem o futuro do país e as ameaças ao nosso sustento continuarem, podem ter certeza, não teremos outra escolha a não ser continuar a dialogar e mobilizar a população para o combate. Simplesmente porque não teremos outra saída, não teremos outra escolha, pois não sabemos fazer outra coisa a não ser lutar pelo futuro do país. Já fizemos essa escolha quando, mesmo com todas as adversidades, escolhemos seguir na academia, no laboratório, nas salas de aula. Pós-graduandos e pós-graduandas, hoje, dizem a quem quer que lhes pergunte que essa vida não vale a pena. Por que é que insistimos nela, então? Ora, por amor. Pelo sonho do que a gente pode fazer pelo mundo, pelo país, pelo povo, com a educação e com a ciência. E quem sabe o que é amar e o que é sonhar sabe que a luta de quem ama e de quem sonha é a coisa mais forte que existe no mundo.
Então, senhoras e senhores parlamentares, nós iremos até o fim. Dia 14 de junho trabalhadoras e trabalhadores de todo o país se unirão a nós contra a reforma da previdência, e depois vamos fazer isso de novo, e de novo, e de novo, quantas vezes for necessário, enquanto ainda houver sangue suficiente em nossas veias para amar e para sonhar. Com a nossa luta vamos passar por cima de quem não respeita a educação e a ciência no Brasil. Nós vamos fazer isso porque o povo está do nosso lado, como ficou bem claro por todos os lugares por onde passamos nessa cidade no dia 15, e ele vai continuar a se somar a nós cada vez mais, e ele vai prestar atenção em quem está do nosso lado e quem não está.
Vocês vão ter que escolher de que lado estão: do nosso lado, junto com o povo, ou contra todas e todos nós.
O texto foi produzido sem um aviso prévio quanto ao tempo de fala disponível. Nesse sentido, o discurso de fato proferido no evento foi editado para brevidade. Segue: