Especializações pagas: por que ser CONTRA!

27/03/2019 18:08

Em fevereiro, a Associação de Pós-graduandos da UFSC (APG-UFSC) alertou para a tentativa de aprovação de um curso de especialização (pós-graduação lato sensu) pago por alunos/as na Câmara de Pós-graduação (CPG). O curso “Inovação e empreendedorismo”, que pretendia cobrar uma mensalidade de R$ 530,00, foi então retirado de pauta. Nesta quinta-feira, dia 14/03, o assunto voltará em outro formato: a administração da UFSC tenta, em reunião extraordinária da CPG, aprovar uma regulamentação geral que permite cursos de especialização pagos.

A proposta, trazida pela PROPG, surpreende pelo fato de o reitor, Ubaldo Balthazar, ter assinado no dia 10 de agosto de 2018 a carta do movimento estudantil em que se posicionava em defesa da gratuidade da educação superior pública, inclusive contra a cobrança na pós-graduação lato sensu.

Por que esta é uma péssima ideia?

  • A gratuidade é importantíssima para que a universidade pública possa servir à coletividade, pois promove a democracia e a justiça social no país ao diminuir uma das barreiras de acesso da classe trabalhadora ao ensino superior. Sendo assim, é preciso se colocar contra qualquer iniciativa que afronte a gratuidade do ensino e seu caráter público!
  • Se os cursos de especialização são de qualidade e é de interesse público que sejam ofertados, não devemos restringi-los somente a quem pode pagar!
  • A mensalidade na universidade também ofende o caráter público dessa instituição, pois compromete a ciência voltada para os interesses do povo ao fazer com que esta responda somente aos daqueles que podem pagar.

É o financiamento público da universidade que garante aos/às pesquisadores/as, professores/as e estudantes os recursos e a liberdade necessários para discutir e se comprometer com a transformação da realidade social brasileira. Só assim a universidade pública pode formar profissionais críticos em relação às desigualdades, que possam contribuir de fato para o desenvolvimento nacional, e não apenas de algumas parcelas mais abastadas que já detêm capital econômico, social e cultural suficientes para perpetuar seus privilégios em detrimento da maioria da população.

Nos últimos anos vemos um crescente desmonte da universidade pública: o abandono de sua função social, o financiamento de universidades privadas mediante endividamento estudantil junto aos bancos, os decrescentes investimentos em acesso e permanência. A EC 95/2016, que congela investimentos em saúde e educação por vinte anos, agrava a situação. Com desindustrialização acelerada, ataques a direitos trabalhistas e o aumento de subempregos, a luta por mais investimentos públicos no ensino superior é parte da solução – se a resposta aos nossos problemas for buscar financiamento no “mercado” ou jogá-lo nas costas dos/as estudantes, apenas alguns vão financiar a formação e o emprego de uma minoria, que responderá às demandas dos financiadores, sem questionar o papel da universidade e a possibilidade de respostas às demandas sociais a partir dela. Não é essa a universidade que queremos!

Perguntas e respostas

  • O STF já não julgou que as especializações podem ser pagas?
    • Sim. Porém, em primeiro lugar, o STF determinou que as universidades podem cobrar, não que devem fazê-lo. Em segundo lugar, embora seja inútil discutir questões legais com o STF, discordamos (junto a um dos ministros, Marco Aurélio; leia seu voto aqui) da lógica por trás da decisão. De qualquer modo, a questão não é legal, porém política: a UFSC não deve cobrar por cursos, como é de sua alçada decidir. Por fim, lembramos que os interesses e posições de juízes/as, do STF ou de outras instâncias não necessariamente representam os interesses dos/as estudantes, dos/as pesquisadores/as, da sociedade brasileira e especialmente da classe trabalhadora.
  • A lato sensu na verdade trata-se de extensão. Não serão cursos oferecidos de forma regular.
    • Se a lato sensu é a “salvação” do financiamento da universidade, é bastante óbvio que os departamentos (os que puderem) serão obrigados a oferecer cada vez mais cursos para financiar suas atividades. Cursos que ocorrem todos os anos, ou talvez todos os semestres, não são “regulares”, e por isso é correto cobrar mensalidades? Que lógica é essa?
    • Além disso, se os cursos lato sensu fossem de fato “extensão”, deveriam estar sendo discutidos na Câmara de Extensão, e não na de Pós-Graduação. Mas é um curso de pós-graduação: é um curso longo, para graduados, em que há disciplinas e inclusive um trabalho de conclusão avaliado em banca. Trata-se de pós-graduação e a confusão terminológica com “extensão” faz parecer este ataque à universidade pública e gratuita menos sério do que ele é.
  • Estão dizendo que isso é o começo da privatização da universidade. Isso não é um exagero?
    • É verdade que essa cobrança seria somente para cursos de especialização (lato sensu). No entanto, nenhum plano de privatização da universidade começaria por cobrar mensalidade de todos/as, em todas as esferas, de um semestre para outro; começaria por onde parece mais “razoável”, por onde a lei hoje permite, por onde menos pessoas veriam problemas. Isso ficou bastante claro no julgamento do STF: os ministros estão ansiosos para que a universidade possa cobrar de seus alunos. “Essa possibilidade que Vossa Excelência, generosamente, abriu, depois de abrir a primeira porta, que era a mais importante“, diz Luiz Fux, enquanto Fachin completa: “creio que migrar para a pós stricto sensu, mestrado e doutorado, por exemplo [é uma porta que] poderá ser, digamos assim, aberta, com debate aprofundado ou não, aberto ou não, num momento que […] venha se colocar no futuro”. Luiz Fux ousa ainda mais: “a própria Constituição, quando ela quer se referir a ensino, ela fala ‘ensino gratuito de crianças de 2 a 17 anos'” (leia o contraponto de Marco Aurélio Mello aqui).
    • Não podemos deixar essa “primeira porta” ser aberta!
    • Não é preciso literalmente vender a propriedade da universidade para privatizá-la. O modo mais eficiente de fazê-lo é justamente assim: mantendo a “posse” pública, mas esvaziando seu caráter público; ocupando seus espaços com quem pode pagar, dirigindo seus esforços para a benesse de quem pode lucrar. Como coloca o ministro do STF Marco Aurélio Mello, a universidade se tornará “híbrida”: “pública, quanto à graduação, e privada, cobrando-se mensalidades daqueles que pretendam lograr o ingresso”. Nesse sentido, isto não é “o começo” da privatização; esta é uma forma de privatização.
  • Não é errado que cursos de especialização, que vão fazer com que seus/uas egressos/as ganhem mais dinheiro no mercado, sejam pagos com dinheiro público?
    • Esse é um dos argumentos mais perniciosos! Se seguirmos esta lógica, novamente, toda a universidade deveria ser financiada por estudantes – inclusive de graduação, pois, segundo dados do IBGE, quem possui diploma de ensino superior ganha em média 3 vezes mais que os que não o possuem. A UFSC forma todos os anos, sem cobrar mensalidades, muitos médicos, bacharéis em direito, publicitários, engenheiros, administradores – para citar algumas profissões que muitos julgam ser imensamente rentáveis a longo prazo.
    • Mais que isso! A ideia de que “quem pode pagar deve pagar” garante que quem possa pagar entre na universidade. Alunos ingressantes por meio de ações afirmativas, por exemplo, estarão entre os mais prejudicados por essa medida.
    • Ver essa questão toda pela lógica do ganho individual é encarar a questão de ponta-cabeça: a universidade oferece cursos que entende serem valiosos para a sociedade; promovendo a formação de pessoas se entender que, de forma agregada, formá-las é o que a sociedade necessita. E, nesse caso, é preciso que todos/as tenham oportunidade de receber essa formação de excelência, especialmente pessoas da classe trabalhadora que não poderiam buscá-la com recursos próprios em universidades privadas. Universidade pública e gratuita não é caridade, e não é algo do qual as pessoas “se aproveitam” para fins pessoais; é uma política pública de investimento no futuro do país, que está relacionado também ao acesso da classe trabalhadora nesse espaço.
  • Se a UFSC não oferecer esses cursos, eles serão feitos em faculdades privadas que não têm a mesma preocupação com a realidade brasileira – ou a mesma qualidade!
    • Defendemos a autonomia da UFSC para oferecer todo curso que possua relevância social, acadêmica, e rigor técnico-científico – mas somente com total gratuidade. Além disso, não podemos nos responsabilizar pela má qualidade de quaisquer outros cursos fora da universidade – ainda que ofereçamos estas especializações, não haverá vagas para todos/as os/as interessados/as, e muitas pessoas ainda farão estes cursos em faculdades privadas.
  • Mas se não for para fazer esses cursos com mensalidades dos/as estudantes, os departamentos não vão querer fazê-los, pois não há hoje recursos para isso!
    • Os recursos das universidades são limitados e é preciso fazer escolhas políticas quanto ao que fazer com eles – e se há algo que a universidade considera importante fazer, mas não tem recursos para isso, deve iniciar um diálogo com a comunidade acadêmica e com o governo federal para viabilizá-los. Se não podemos oferecer estes cursos, então não podemos; para viabilizá-los, que se contratem mais professores/as para os departamentos, por exemplo.
  • Mas os professores da UFSC vão querer dar esses cursos nas faculdades privadas!
    • Professores da UFSC possuem um salário digno para cumprir suas funções dentro da universidade. Se for compreendido que é importante que a UFSC ofereça cursos de pós-graduação lato sensu, que isso seja feito com os recursos (materiais e humanos) que temos hoje de forma compatível com a universidade pública e gratuita.
  • Mas não vai ser melhor trazer mais recursos para a universidade em geral?
    • Nem todo recurso a mais é bom; depende das consequências, nem sempre óbvias e diretas, de obtê-lo. Um/a geógrafo/a conseguiria, há alguns meses, fazer uma pesquisa denunciando a segurança de barragens como a de Brumadinho em uma instituição que dependesse do dinheiro da Vale? Pouco provável. Em outras palavras, é preciso sempre entender quais as consequências de diferentes fontes de financiamento. Neste caso, entre muitos outros problemas, a principal consequência de obter dinheiro fora dos investimentos governamentais é diminuir a pressão sobre o governo, que poderá então investir ainda menos com a justificativa de que há agora outras fontes de recursos – que ele pressionaria para que fossem expandidas, uma vez aprovadas. Os ministros do STF literalmente lamentam que o dinheiro que hoje não entra via cobrança de mensalidades poderia liberar “o Poder Público de dar mais orçamento para as universidades”. Quanto mais nos afastamos de um modelo de financiamento público da pesquisa, mais difícil é nos livrar de uma lógica privatista.
    • Além disso, não há nenhuma previsão de que o dinheiro a ser obtido ajude a financiar, por exemplo, bolsas de stricto sensu ou melhorias para a permanência estudantil. De fato, para manter os preços competitivos, haverá um estímulo a oferecer cursos que paguem somente as taxas da UFSC (água, energia, etc), os professores e o material necessário (laboratorial, por exemplo). E quanto a isso, os professores da UFSC (sua atenção, seu horário) serão cada vez mais desviados para isso, sem falar do próprio espaço físico da UFSC, hoje em muitos casos já escasso para as disciplinas ofertadas atualmente.
  • Ideologias à parte, não há outra forma de trazer dinheiro para a universidade.
    • Uma vez que você cede a uma chantagem, não há limites para aquilo que o chantagista pode conseguir. Trata-se aqui menos de ideologia e mais de *coragem* para defender os princípios da universidade pública e gratuita. Se o governo resolve sufocar a universidade com menos recursos, podemos ceder até que ele volte a nos sufocar, exigindo desta vez mais uma concessão (cobrar da pós-graduação stricto sensu, cobrar da graduação, vender a universidade) – ou podemos lutar contra o que é inaceitável.
    • A luta política por mais recursos vai muito além desta decisão, e exige de todas e todos nós mais dedicação: a saída é *sermos nós* a dizer para o governo que não há outra saída a não ser investir mais na ciência e na educação no Brasil.

O que fazer AGORA?

  • Assine o abaixo-assinado da APG-UFSC contra a cobrança de mensalidades na pós-graduação lato sensu! Estamos coletando assinaturas todos os dias, especialmente durante os horários de abertura da nossa sede (das 12 às 13h de segunda a sexta; das 17:30 às 18:30 de segunda a quinta);
  • Mostre este texto para todos/as que você conhece; converse sobre a situação e busque mais informações;
  • Junte-se a movimentos no seu campo de atuação – estudantil, na graduação, na pós-graduação, em movimentos sociais, sindicatos, etc. – para aumentar a difusão do que está acontecendo, produzindo posicionamentos e mobilizando ações;
  • Siga o site oficial (apg.ufsc.br) e as redes sociais da APG-UFSC para acompanhar o que está acontecendo e somar às nossas ações – estamos ativos no Facebook (facebook.com/apgufsc) e no Instagram (instagram.com/apgufsc)
  • Acima de tudo, por todos os canais possíveis, é preciso mandar um único recado à administração central da UFSC: NÃO HAVERÁ PÓS-GRADUAÇÃO PAGA NA UFSC! Universidade pública, gratuita e de qualidade para todas e todos!
Tags: Originalmente publicado em 12/03/2019