Destaque: o voto de Marco Aurélio Mello sobre a cobrança de mensalidades na pós-graduação lato sensu

05/04/2019 08:00

O Supremo pode agir, pode atuar como legislador, mas como legislador negativo, jamais como legislador positivo, muito menos estabelecendo distinção onde o texto constitucional não a contempla, onde o texto constitucional, em vernáculo muito apropriado, é claro e preciso. Aprendi desde cedo que, em Direito, o meio justifica o fim, mas jamais o fim ao meio, sob pena de não termos a almejada segurança jurídica.

Abro, Presidente, a Lei Básica, a Constituição Federal. E começo verificando que, no artigo 212, dessa mesma Constituição Federal, tem-se a receita, do ensino público. E essa receita decorre do setor também público, no que o artigo prevê:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Indo ao artigo 206, vamos constatar que o ensino deve ser ministrado com base em certos princípios, para mim, infestáveis [sic], sob pena de entender-se que não há a higidez da Constituição Federal; sob pena de concluir-se que a Constituição Federal não está no ápice da pirâmide das normas jurídicas.

O que se tem nesse artigo 206? Vários incisos a revelarem princípios a serem observados quanto a educação pública. E, entre esses incisos, há o de número IV, a revelar a gratuidade do ensino. O preceito não encerra qualquer distinção quanto à envergadura, quanto à natureza, quanto à espécie desse ensino. Pouco importa que se trate de ensino básico, fundamental ou superior. Pouco importa que se trate de curso de graduação, de pós-graduação ou de extensão. A gratuidade é o “toque de caixa” que estabelece o acesso alargado – não beneficiando apenas aos mais afortunados – ao ensino que se diz, até aqui, público, e não híbrido, tendo-se a um só tempo, sob o ângulo da natureza jurídica, universidade pública e privada. Ela é pública no tocante a certo aspecto, mas é privada no tocante a outro, ao se estabelecer que pode atuar como se fosse um ente de educação privado, obstaculizando-se o acesso universal, levando em conta os mais e os menos favorecidos, a viabilizar, ante o mérito, o acesso dos que não podem pagar.

Há mais: tem-se, como primeiro princípio, a igualdade de condições para o acesso e permanência no ensino. Ter-se-á essa igualdade se o pobre, o que não nasceu em berço rico, não puder, ante a inexistência de meios materiais, matricular-se? A resposta para mim, Presidente, é desenganadamente negativa.

Quanto à extensão da gratuidade, vem-nos de Carlos Maximiliano enfoque alusivo à hermenêutica e à aplicação do Direito: onde o texto não distingue, descabe ao intérprete fazê-lo. Não posso, a um só tempo, sob pena de adentrar o campo da incongruência, dizer que o acesso à universidade, que se quer, pelo texto constitucional, pública, é gratuito, mas que, visando o aperfeiçoamento do aluno, esse acesso deve ser custeado não mediante apenas a cobrança de matrícula – e já assentamos, inserindo essa óptica no verbete vinculante nº 12, que não pode haver cobrança de matrícula – mas mensalidades? Bem: aplica-se o verbete no tocante à matrícula em curso de pós-graduação, em curso de extensão universitária, mas não se aplica quanto a mensalidades. Ou seja, dá-se ênfase à gratuidade nesse primeiro passo, para, em passo seguinte, inviabilizar – vou repetir à exaustão – que menos afortunados se aperfeiçoem. Não podendo lançar mão da universidade privada, também não poderão mais lançar mão, mediante o critério meritório, da universidade pública. Com interpretação aditiva ou extensiva, como queiram, o Tribunal introduzirá no Texto Constitucional exceção não contemplada. A porta estará fechada a eles, menos afortunados, no que apontei como acesso ao aperfeiçoamento universitário.

[…] ter-se-á doravante, entidades híbridas, universidades que serão a um só tempo públicas e privadas, mediante a cobrança desses cursos, determinando-se que somente terão acesso aqueles que possam pagar as mensalidades.

O objetivo do capítulo III, da Seção I, Da Educação, da Carta da República, quanto à gratuidade, não é esse. Estabelecer essa que, para mim, em termos de aperfeiçoamento, é uma distinção que acaba encerrando privilégio, e todo privilégio é odioso, é passo que não cabe dar.

Empunho – e pelo menos tenho esse consolo – a bandeira do fiscal da lei, do Ministério Público Federal, no que preconiza o desprovimento do recurso extraordinário interposto. E o faço forte na letra expressa, pelo menos sob a minha visão, do texto constitucional, sem potencializar a situação difícil, que, reconheço, das entidades públicas.

Não tenho como dizer que a universidade passa a ser doravante uma universidade mista: pública, quanto à graduação, e privada, cobrando-se mensalidades daqueles que pretendam lograr o ingresso, quanto aos cursos de extensão. A universidade há de prestar o serviço educacional a partir das receitas previstas no texto constitucional. As universidades, por serem públicas, hão de viabilizar, sem necessidade de qualquer pagamento, o acesso dos cidadãos em geral.